Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros

Fundado em 27 de Dezembro de 2006

 

VOLUME X

 

1º Semestre de 2013

MONTES CLAROS
MINAS GERAIS – BRASIL
2013

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, nos termos de seu Estatuto, tem como finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região Norte Mineira, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.


COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007


Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Jornalista LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
Centro Cultural Hermes de Paula
Praça Dr. Chaves, 32 - Centro
CEP.: 39.400-005 - Montes Claros - MG
Site: www.ihgmc.art.br


REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
Publicação semestral

Diretor e editor:
Itamaury Teles de Oliveira
Reg. Prof. MG 07636JP

Conselho Editorial:
Haroldo Lívio de Oliveira, Itamaury Teles de Oliveira,
Luís Carlos Vieira Novaes e Wanderlino Arruda

Editoração/diagramação:
Cleber Caldeira

Impressão:
Gráfica e Editora O Lutador - Belo Horizonte - MG

CAPA:
Imagens da antiga Estação Ferroviária de Montes Claros,
inaugurada em 1º de setembro de 1926
e demolida no início dos anos 70


DIRETORIA 2012- 2014

PRESIDENTE DE HONRA Dr. Luiz de Paula Ferreira
PRESIDENTE Dr. Itamaury Telles de Oliveira
1º VICE - PRESIDENTE Dr. Wanderlino Arruda
2º VICE - PRESIDENTE Dr. Dário Teixeira Cotrim
DIRETOR EXECUTIVO Dr. Petrônio Braz
DIRETOR-SECRETÁRIO Dr. Manoel Messias de Oliveira
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Drª Maria da Gloria Caxito Mameluque
DIRETOR DE FINANÇAS Coronel Lázaro Francisco Sena
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Dr. Adnauer Denarte Dávila
DIRETORA DE PROTOCOLO Profª Felicidade Patrocínio
DIRETORA CULTURAL Profª Maria Luiza Silveira Teles
DIRETORA DE BIBLIOTECA Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
DIRETORA DE MUSEU Economista Roberto Carlos Morais Santiago
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista Luiz Carlos Vieira Novaes
DIRETORA DE CURSOS Profª Ivana Ferrante Rebelo e Almeida

Nota da Coordenação

A ordem de publicação dos artigos dos sócios efetivos obedeceu à sequência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes. A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidas em artigos publicados. A revisão dos originais foi feita pelos próprios autores dos artigos publicados.


CONSELHO CONSULTIVO

Prof. José Geraldo de Freitas Drumond
Profº Juvenal Caldeira Durães
Escritora Milene A. Coutinho Maurício
Profª Ruth Tupinambá Graça
Dr. Waldyr Senna Batista
Profª Yvonne de Oliveira Silveira

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Prof. Ivo das Chagas
Profª Anete Marília Pereira
Profª Maria Aparecida Costa

COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
Prof.. César Henrique de Queiroz Porto
Profª Felicidade Patrocínio
Dr. Fabiano Lopes de Paula

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA

Profª Maria Inês Silveira Carlos
Profª Cláudia Regina Almeida

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIO
S

Dr. Dário Teixeira Cotrim
Profª Míriam Carvalho
Dr. Wandelrino Arruda
Profª Zoraide Guerra David

COMISSÃO DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

Dr. Petrônio Braz
Dr. Itamaury Teles de Oliveira
Jornalista Luís Carlos Vieira Novaes
Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
Dr. Wanderlino Arruda
Profº Juvenal Caldeira Durães

COMISSÃO REVISORA DA REVISTA

Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
Cel. Lázaro Francisco Sena
Dr. Wanderlino Arruda


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Dr José Santos Rameta Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Escritora Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Vaga Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Profª Yvonne de Oliveira Silveira Antônio Ferreira de Oliveira
06
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Professora Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Professora Anete Marilia Pereira Antônio Jorge
09
Professora Isabel Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
10
Professora Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Vaga Ary Oliveira
12
Dr Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Dr Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Professora Karla Celene Campos Arthur Jardim Castro Gomes
15
Jornalista Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
Dr Waldir de Senna Batista Athos Braga
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de Saint Hillaire
18
Dr Petrônio Braz Brasiliano Braz
19
Dr Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
20
Professora Felicidade Patrocínio Camilo Prates
21
Profa.Terezinha Gomes Pires Cândido Canela
22
Dr. Luiz Giovani Santa Rosa Carlos Gomes da Mota
23
Historiador Hélio de Morais Carlos José Versiani
24
Vaga Celestino Soares da Cruz
25
Dr Ronaldo José de Almentida Corbiniano R Aquino
26
Profa. Maria Rejane Rodrigues Ruas Colares Cyro dos Anjos
27
Professora Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Jornalista Jerusia Xavier Arruda Darcy Ribeiro
29
Professora Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
30
Escritora Maria Lúcia Becattini Miranda Dona Tirbutina
31
Professora Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
Dr Edgar Antunes Pereira Edgar Martins Pereira
33
Dr Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Profa. Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
Dr. Antônio Ferreira Cabral Ezequiel Pereira
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
Dra. Jussara Veloso Ferreira Antunes Francisco Barbosa Cursino
38
Professora Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
Professor Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
40
Drª Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Dr Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
Professora Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
43
Professor Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Economista Roberto Carlos M. Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Vaga Henrique Oliva Brasil
46
Professora Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
Jornalista Paulo César Narciso Soares Hermenegildo Chaves
48
Profa. Maria das Dores Antunes Câmara Hermes Augusto de Paula
49
Prof. José Ferreira da Silva Irmã Beata
50
Jornalista Délio Pinheiro Neto Jair Oliveira
51
Dr José Carlos Vale de Lima João Alencar Athayde
52
Profa. Maria Isabel M. F. Sobreira João Chaves
53
Dr João Carlos M. Sobreira de Carvalho João Batista de Paula
54
Jornalista Adnauer Denarte Dávila João José Alves
55
Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Dra. Ivana Ferrante Rebelo João Luiz Lafetá
57
Jornalista Luiz Carlos Novaes João Novaes Avelins
58
Profa. Maria Ângela Figueiredo Braga João Souto
59
Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Vale Maurício
60
Dr. Manoel Messias Oliveira Jorge Tadeu Guimarães
61
Jornalista Girleno Alencar Soares José Alves de Macedo
62
Profº José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
63
Vaga José Gomes Machado
64
Professora Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Dra. Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66
Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Vaga José Monteiro Fonseca
68
Professora Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
69
Dr. Aderbal Esteves José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
Vaga José Tomaz Oliveira
71
Dra. Edwirges Teixeira de Freitas Júlio César de Melo Franco
72
Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
73
Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
74
Professor Laurindo Mekie Pereira Luiz Milton Prates
75
Vaga Manoel Ambrósio
76
Vaga Manoel Esteves
77
Profª Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78
Jornalista Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79
Professora Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
80
Vaga Miguel Braga
81
Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
Dr Haroldo Lívio de Oliveira Nelson Viana
83
Vaga Newton Caetano d’Angelis
84
Dr Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85
Historiador Expedito Veloso Barbosa Armênio Veloso
86
Professora Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
Vaga Pedro Martins de Sant’Anna
88
Professora Miriam Carvalho Plínio Ribeiro dos Santos
89
Vaga Robson Costa
90
Vaga Romeu Barcelos Costa
91
Dr Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
Professor Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
93
Dr Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Dr Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95
Profa. Marilene Veloso Tófolo Terezinha Vasquez
96
Professora Ruth Tupinambá Graça Tobias Leal Tupinambá
97
Vaga Urbino Vianna
98
Dra. Mara Yanmar Narciso Virgilio Abreu de Paula
99
Vaga Waldemar Versiani dos Anjos
100
Professora Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Jornalista Adriano Souto Belo Horizonte - MG
Prof. Alan José Alcântara Figueiredo Macaúbas - BA
Jornalista Alberto Sena Batista Belo Horizonte - MG
Dr.André Kohene Caetité -BA
Prof. Regente Armênio Graça Filho Rio de Janeiro- RJ
Dr. Ático Vilas-Boas da Mota Macaúbas - BA
Dr. Augusto José Vieira Neto Belo Horizonte - MG
Dr. Avay Miranda Brasilia - DF
Jornalista Carlos Lindenberg Spínola Castro Belo Horizonte - MG
Escritora Carmem Netto Victória Belo Horizonte - MG
Jornalista Cláudia Correia Costa Carvalho Luz - MG
Jornalista Cintia Bernes Belo Horizonte - MG
Historiadora Célia do Nascimento Coutinho Belo Horizonte - MG
Historiador Daniel Antunes Júnior Espinosas - MG
Historiador Dario Cardoso Vale Belo Horizonte - MG
Dr. Dêniston Fernandes Diamantino Januária - MG
Historiador Domingos Diniz Pirapora - MG
Historiador José Henrique Brandão Bocaiuca-MG
Historiador Paulo Costa Rio Pardo de Minas - MG
Historiador Pedro de Oliveira Várzea da Palma-MG
Dr. Enock Sacramento
São Paulo - SP
Dr. Eustáquio Wagner Guimarães Gomes Belo Horizonte - MG
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte MG
Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Genoveva Ruisdias Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Tereze) New York - USA
Prof. Herbet Sardinha Pinto Belo Horizonte - MG
Dr. Hermano Baggio Pirapora - MG
Jornalista Jeremias Macário Vitória da Conquista - BA
Jornalista João Martins Guanambi - BA
Dr. Jorge Lasmar Belo Horizonte MG
Dr. Leonardo Alvares da Silva Campos Belo Horizonte - MG
Prof. José Eustáquio Machado Coelho Belo Horizonte MG
Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro Brasília - DF
Dr. José Walter Pires Brumado - BA
Dr. Marco Aurélio Baggio Belo Horizonte MG
Profa. Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen London - England
Prof. Moisés Vieira Neto Várzea da Palma - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Jornalista Manoel Hygino Santos Belo Horizonte - MG
Escritor Reynaldo Veloso Souto Belo Horizonte - MG
Profa. Terezinha Teixeira Santos Guanambi - BA
Prof.Thiago Carvalho Makiyama Gunma-Ken - Japão
Prof. Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte - MG
Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves
Belo Horizonte - MG

APRESENTAÇÃO

O INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS, entidade de abrangência regional, coerente com a sua finalidade estatutária, vem promovendo estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, em sua área de atuação. Com esta décima edição, somam-se mais de 1800 páginas escritas pelos nossos associados, sem qualquer ajuda financeira oficial.

Com pouco mais de seis anos de existência, o IHGMC já é reconhecido aqui e alhures, haja vista a frequência com que é citado nos órgãos de comunicação e em outras mídias, impressas ou não.

Outro indicador da sua relevância social está nas cobranças que lhe são feitas por cidadãos, para que se evite a derrubada de casas residenciais, na área central da cidade, com características arquitetônicas passíveis de tombamento. Embora o Instituto não tenha poder de polícia, temos feito gestões em defesa desse patrimônio histórico, buscando conscientizar as partes envolvidas – autoridades e proprietários – em busca da preservação de certos casarões, muitas vezes sem sucesso, infelizmente.

Nos últimos meses, com efeito, muitas edificações importantes foram derrubadas na calada da noite dos fins de semana prolongados. Não respeitaram sequer a sextafeira da paixão. No lugar de belos casarões e imponentes palacetes, surgem estacionamentos que vão transformando o antigo centro de Montes Claros em terra devastada ocupada por seus mais de 170 mil veículos. Muitos alegam ser esse o preço que se paga pelo progresso. Não concordamos com essa prática, motivada, em certos casos, por desconhecimento dos efeitos deumtombamento – muitos acreditam, erroneamente, que o imóvel tombado não pode ser comercializado – e pela falta de uma política de valorização desses imóveis que contavam parte da história da cidade.

Mas ainda há tempo de salvar o que resta, votando a Câmara lei que contemple benefícios aos proprietários que preservarem a fachada principal de imóveis cujas características mereçam tombamento, por razão histórica ou arquitetônica. Exemplos há, à mancheia, em muitos municípios brasileiros, evitando-se, assim, o esforço da “reinvenção da roda”, na medida em que os boas idéias, em benefício da sociedade, podem e devem ser copiadas.

Na capa desta edição, destacamos mais uma das belas edificações, que permanece apenas na memória dos saudosistas: a antiga e bela Estação Ferroviária de Montes Claros. Ela foi derrubada para dar lugar a uma edificação de pouco valor arquitetônico. O que permanece relativamente preservado na foto que ilustra a capa é a estátua do ex-Ministro Francisco Sá, um Norte-Mineiro responsável por trazer os trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil para Montes Claros, em 1926. Relativamente porque vem a obra de escultura sendo alvo de pichações e de descasos na manutenção do pequeno jardim no seu entorno, onde eqüinos costumam pastar livremente na grama alta...

No mais, esta edição está recheada de ótimos artigos, contando e recontando fatos importantes e dignos de nota da nossa região setentrional mineira. Convido-o para um passeio nos meandros da nossa história.

Itamaury Teles de Oliveira


 


HOMENAGENS PÓSTUMAS A SÓCIOS


Historiador João Botelho Neto
1932 - 2007


Cônego Adherbal Murta de Almeida
1921 - 2008


Poeta Reivaldo Canela
1933 - 2008


Escritor Olyntho da Silveira
1909 - 2009


Necésio de Morais
1922 - 2010


Ájax Tolentino
1940 - 2012


Reginauro Silva
1950 - 2012


Fernanda Ramos
1928 - 2012


Marta Sayago
1946 - 2013

 

Para um túmulo de amigo
“A morte vem de manso, em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.

(Alphonsus de Guimaraens - ossa mea, I.)

FATOS MARCANTES
DO ÚLTIMO SEMESTRE

CASAMENTO DE LUÍS NOVAES E INÊS



O DIA 30 de novembro de 2012 foi muito especial para nosso confrade Luís Carlos Vieira Novaes – Diretor de Jornalismo do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Nesse dia, tendo como testemunhas legião de amigos e colegas da imprensa, oficializou seu casamento com Maria Inês, no Cartório da nossa confreira Maria de Lourdes Chaves (Lola), tendo como oficiante o Juiz de Paz Didi. Ao casal, nossos votos perenes de paz, amor e harmonia...


CAMPEÃO DE PRÊMIOS, EM DEFESA DA ÁGUA

O jornalista Luiz Ribeiro, membro ativo do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros, foi um dos vencedores do Prêmio Allianz de Sustentabilidade, com a série de reportagens intitulada “Rios de Minas – um milagre ameaçado”.Omarcante trabalho jornalístico, realizado em equipe – Flávia Ayer, Luiz Ribeiro e Júnia Almeida – resultou da observação de sete mil quilômetros de rios pelos três repórteres do “Estado de Minas”. Luiz Ribeiro revela que há muito tempoumtrabalho de tal monta persistia em sua mente: “Quando criança, vivia nadando no Rio Caititu, que faz parte da bacia do Rio Verde Grande. Mas, hoje, o Caititu praticamente não existe mais. Como ele, centenas de outros rios vêm desaparecendo aos poucos. Essa realidade sempre me inquietou”.

A série de reportagens, com efeito, foi uma oportunidade para que Luiz e seus colegas pudessem mostrar essa triste situação, e despertar as autoridades para alguma providência.

Prêmio dos mais merecidos.


PETRÔNIO BRAZ É O IHGMC
NO COMCULTURA

O Diretor Executivo do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, escritor Petrônio Braz, foiempossadopelo Prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, como um dos membros do COMCULTURA– Conselho Municipal de Cultura. A posse ocorreu no dia 15 de março, na sala de reuniões do Gabinete do Prefeito.

O COMCULTURA, - órgão colegiado, de caráter consultivo, deliberativo e fiscalizador - é responsável pela gestão do SISMIC - SistemaMunicipal de Incentivo à Cultura, que tem como finalidade apoiar, incentivar, difundir, valorizar, desenvolver, preservar e promover as expressões artísticas e o patrimônio cultural do Município de Montes Claros, e pelo planejamento, orientação e coordenação da política cultural da cidade.


DE OLHO NA CIDADE

O confrade Délio Pinheiro Neto é um repórter versátil, atuando com desenvoltura e brilhantismo nas mais variadas editorias da TV Grande Minas, afiliada da Rede Globo, com sede em Montes Claros. Ele é visto fazendo entrevistas nas ruas da cidade, em matérias especiais de Unaí a Teófilo Otoni, de Espinosa a Curvelo, apresentando os gols da rodada, e apresentando o telejornal da emissora.


REUNIÕES NO CASARÃO
MAIS ANTIGO DA CIDADE

O presidente do IHGMC, Itamaury Teles, e o vicepresidente Wanderlino Arruda estiveram no Casarão dos Versiani-Maurício – o mais antigo da cidade, construído que fora em 1812 –, na tarde do dia 5 de março de 2013, onde foram recepcionados pela nossa confreira Raquel Mendonça, competente servidora da Secretaria Municipal de Cultura. Os emissários do IHGMC ali estiveram para tratativas visando a levar as reuniões da entidade para serem realizadas naquele nobre local, situado no Corredor Cultural Padre Dudu. O Secretário Municipal de Cultura, Carlos Muniz, de forma atenciosa e gentil, autorizou, prontamente, a cessão do espaço para as nossas reuniões, nas tardes dos terceiros sábados de cadamês. Aqui, registramos a eles os nossos sinceros agradecimentos.


SHOWÇAITE HOMENAGEIA DONA FERNANDA

Dona Fernanda Ramos, Cônsul Honorária de Portugal em Montes Claros, falecida recentemente, foi alvo de homenagens no último Showçaite, festa beneficente promovida pela nossa confreira Felicidade Tupinambá, no Automóvel Clube de Montes Claros. Em quadro especial, nossos confrades Wanderlino Arruda, Itamaury Teles e Felicidade Patrocínio prestaram homenagem à memória de Dona Fernanda, do Conselho Consultivo do IHGMC. No texto, lembranças aos nomes de vários portugueses que contribuíram para o progresso de Montes Claros, como Antônio Loureiro Ramos, Jayme Rebello, Arthur Ramos, dentre outros.


IHGMC GANHA SEDE NO CENTRO CULTURAL

Já no apagar das luzes da administração passada, o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros foi contemplado com espaço importante para a sua sede, nas dependências do Centro Cultural Hermes de Paula. O então Secretário Municipal de Cultura, Hamilton Trindade, disse que a vinda da sede do IHGMC para o Centro Cultural enobrece ainda mais o espaço de cultura da cidade, principalmente pelo alto nível dos integrantes do Instituto.

Em sua fala, além de agradecer ao secretário pela cessão do espaço nobre, o presidente do IHGMC, Itamaury Teles, destacou o grande trabalho que vem desenvolvendo a entidade, na construção da história de toda a região Norte-Mineira, materializada pelas edições semestrais de sua
revista, que já totalizam mais de 1.800 páginas de texto. Antes do coquetel, foi descerrada a placa da sede social e inaugurada a galeria de ex-presidentes do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, com retratos de Wanderlino Arruda e Dário Cotrim.


FLAGRANTES DAS
REUNIÕES DO INSTITUTO


JULHO DE 2012: Dário Cotrim, Marilene Tófolo, Haroldo Lívio, Juvenal Caldeira, Palmyra Santos Oliveira, Wanderlino Arruda, Ruth Tupinambá Graça, Aderbal Esteves, Clarice Sarmento, Regina Peres, Expedito Veloso, Lázaro Sena, José Ferreira, Itamaury Teles e Manoel Messias Oliveira.


AGOSTO 2012: Dário Cotrim, Haroldo Lívio, Wanderlino Arruda, Marilene Tófolo, Ayer David, Expedido Veloso, Luís Carlos Novaes, Lola Chaves, Juvenal Caldeira, Lázaro Sena, José Ferreira, Petrônio Braz, Manoel Messias Oliveira, Felicidade Patrocínio e Itamaury Teles; assentadas:
Zoraide David Guerra, Ruth Tupinambá Graça e Palmyra Santos Oliveira.


SETEMBRO DE 2012: Em pé: Manoel Messias de Oliveira, Juvenal Caldeira, Expedito Veloso, Roberto Carlos Santiago, Lázaro Sena, José Ferreira, Luiz Ribeiro, Haroldo Lívio, Petrônio Braz; assentadas: Felicidade Patrocínio, Maria Antunes Câmara, Maria Luíza Silveira Teles, Palmyra Santos Oliveira, Eliane Maria Ribeiro e Yvonne Silveira.


OUTUBRODE2012:Empé – Roberto Carlos santiago, Kosé Ferreira, Juvenal Caldeira, Aderbal Esteves, Manoel Messias e Girleno Alencar; sentados – Dário Cotrim, Geralda Magela Sena, Palmyra Santos Oliveira, Felicidade Patrocínio e Itamaury Teles.


NOVEMBRO DE 2012: Em pé – Girleno Alencar, Lázaro Sena, Rejane Colares, Dário Cotrim, Ivana Ferrante Rebelo, Marilene Tófolo, José Ferreira, Manoel Messias Oliveira e Itamauralda Magela Sena, Ruth Tupinambá Graça, Maria de Lourdes Chaves (Lola), Palmyra santos Oliveira e Wanderlino Arruda.


DEZEMBRO DE 2012

A reunião do mês de dezembro de 2012 foi marcante para o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. No dia 20 de dezembro, às 20 horas, no auditório do Centro Cultural Hermes de Paula, houve sessão solene, para a posse de quatro novos membros do IHGMC: a médica e jornalista Mara Yanmar Narciso – que discursou em nome dos demais neo-associados -, passou a ocupar a cadeira no. 98, que tem como patrono Virgílio Abreu de Paula; a escritora e Maria Lúcia Becattini Miranda – cadeira no. 30, cuja patrona é Dona Tiburtina; o advogado Luiz Giovani Santa Rosa, que ocupará a cadeira no. 22, que tem Carlos Gomes da Mota como patrono; e o Professor José Ferreira da Silva, na cadeira no. 49, que tem como patrona a Irmã Beata. . Após a solenidade, bastante prestigiada, foi servido coquetel, durante o qual foi lançada a edição IX da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, com grande aceitação pelos presentes.


REUNIÃO DE JANEIRO DE 2013

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros reuniu-se, na manhã deste domingo, 20/01, em sua sede social, no Centro Cultural Hermes de Paula. Nas foto, o registro oficial do encontro mensal, onde se veem: Zoraide Guerra, Escritor Paulo Milagres (visitante), Expedito Barbosa, José Ferreira, Maria de Lourdes Chaves, Juvenal Caldeira, Jerúsia Arruda, Petrônio Braz, Palmyra Santos Oliveira, Marilene Tófolo, Wanderlino Arruda, Cel.Lázaro sena, Mara Yanmar Narciso, Dário Cotrim, Haroldo Lívio e Itamaury Teles.


Muitos assuntos importantes em pauta, com destaque para a palestra proferida pelo confrade Wanderlino Arruda, sobre o patrono de sua cadeira, Capitão Enéas Mineiro de Souza, que teve uma participação marcante no desenvolvimento da região e foi prefeito de Montes Claros em 1951/54. História contada por quem constrói, observa e resguarda a memória de seu tempo. Um privilégio.


Na tarde de 16 de fevereiro de 2013, no Centro Cultural Hermes de Paula, realizou-se mais uma reunião do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Na foto, Manoel Messias, Lázaro Sena, Armênio Graça Filho, Maria Lúcia Becattini, Regina Peres, Ivana Ferrante Rebello, Fabiano Lopes de Paula, Giovanni Santa Rosa, Ivo Chagas, Juvenal Caldeira, Ruth Tupinambá Graça, Aderbal esteves, Mara Narciso, Marcos Fábio Martins, Marilene Tófollo, Geralda Magela Sena, Dário Cotrim, Marta Verônica Vasconcelos, Girleno Alencar, Hélio de Morais e Itamaury Teles. Vinte e quatro sócios efetivos assinaram o livro de presença.


Muitos assuntos importantes fizeram parte da pauta, com destaque para a palestra do Professor Juvenal Caldeira, sobre o patrono da cadeira número 81, Nathércio França.


MARÇO DE 2013

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros reuniu-se na tarde do último sábado, dia 16/03, no Casarão dos Versiani-Maurício, sede da Secretaria Municipal de Cultura. Da pauta constaram importantes ssuntos. Dentre eles, palestra proferida pela Professora Marta Verônica Vasconcelos Leite, sobre vida e obra de Auguste de Saint Hillaire, patrono da cadeira 17, da qual é ocupante.


Em pé – Mara Narciso, Manoel Messias Oliveira, Maria Lúcia Becattini, Aderbal Esteves, Lázaro Sena, Juvenal Caldeira, Maria Aparecida Costa, Maria Ângela Braga, Denílson Rodrigues, Maria de
Lourdes Chaves (Lola) e Itamaury Teles. Assentados – Marta Verônica Vasconcelos, Dário Cotrim, Palmyra Santos Oliveira, José Ferreira, Wanderlino Arruda, Téo Azevedo e Haroldo Lívio
.



HOMENAGENS A
DONA FERNANDA RAMOS

ATÉ MAIS VER, DONA FERNANDA

Itamaury Teles de Oliveira
Cadeira nÀ 84
Patrono: Newton Prates

Estava eu, no início da década de 90, absorto na leitura de documentos em minha mesa de trabalho, na agência Cidade Jardim, do Banco do Brasil, em Belo Horizonte, quando adentra a minha sala uma mulher forte, de voz aguda e característico sotaque português.

Chegara lá por indicação do seu genro, Alceu Carneiro, meu companheiro no Rotary Belo Horizonte Oeste. Era Dona Fernanda Ramos, querendo abrir uma conta-corrente na agência em que eu então gerenciava. E foi ali que se iniciou, à primeira vista, uma amizade fraterna, com aquela senhora de nome comprido – tão ao gosto das famílias nobres portuguesas -, como se já trouxesse o pré-requisito e prenunciasse o cargo honorífico que ocuparia poucos anos depois, de Cônsul de Portugal em Montes Claros: Maria Fernanda Reis Monteiro e Brito Ramos.

Aberta a conta, ela invariavelmente lá comparecia, ao menos uma vez por semana. Muito bem informada, sempre queria mais e mais detalhes sobre os cenários econômicos, financeiros, políticos e sociais do país, de forma a bemorientar seus investimentos. E eu sempre aprendi muito com ela, naqueles gostosos “dedos de prosa”. Afinal, a troca de informações sempre soma, pois nada perdemos nesse singular “escambo”. Ao darmos informações não deixamos de possuí-las...

Em 1995, chegou com uma novidade à agência. Portava seu novo cartão de visitas, já como Cônsul Honorária de Portugal, em Montes Claros, tendo-me convidado para as solenidades de posse, às quais não pude comparecer, por encontrar-me assoberbado com o dia-a-dia da agência bancária.

Dez anos depois, volto a residir em Montes Claros e a reencontro em acontecimentos sócio-culturais da cidade, demonstrando a mesma alegria e inteligência que a mim tanto cativaram.

Ano passado, percebendo que nos encontrávamos em dificuldades financeiras para a edição da Revista da Academia Montes-clarense de Letras, fez questão de doar significativa quantia para viabilizar os trabalhos de impressão da revista literária. Ela pediu-nos, à Dona Yvonne
Silveira e a mim, que gostaria de ficar no anonimato, em relação àquela ajuda financeira. No lançamento da Revista, no Elos Clube, quebrei o compromisso e revelei de público aquele gesto altruístico da Dona Fernanda, que foi calorosamente aplaudida. Era uma verdadeira mecenas...

Sempre prestigiou os lançamentos dos meus livros, e dizia gostar muito de ler minhas crônicas, aos domingos, no Jornal de Notícias, motivo de muita honra para mim.

Quando fui eleito presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, com o seu apoio, no final do ano passado, convidei-a para ocupar uma das diretorias da entidade. Ela, gentilmente, recusou o convite, alegando impossibilidade, em função do cargo honorífico que ocupava. Mas aceitou, prontamente, integrar o Conselho Consultivo do Instituto. E logo mostrou serviço...

Na visita a Montes Claros do príncipe herdeiro do trono brasileiro, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, ela aproveitou-se da oportunidade do jantar que oferecera em sua Chácara Vista Alegre para reivindicar ao prefeito um espaço no Centro Cultural para o Instituto Histórico e Geográfico. E, ali mesmo, o prefeito Tadeu Leite se comprometeu a atender o seu pedido.

O que me entristece nesse episódio foi o fato de a sala ter sido disponibilizada ao Instituto faz pouco mais de uma semana. Justamente quando Dona Fernanda já se encontrava com a saúde bastante fragilizada, em hospital belohorizontino.

No último domingo, reunimo-nos pela primeira vez na nova sala-sede, oportunidade em que fora deliberado a remessa de correspondência à Dona Fernanda, falando das nossas conquistas, agradecendo-lhe pela iniciativa, e desejando-lhe pronto restabelecimento e breve retorno ao nosso convívio.

Todavia, na manhã da segunda-feira, chega-nos a triste notícia do seu encantamento, nos primeiros minutos do dia 25 de junho...

Dona Fernanda vai-nos fazer muita falta. Mas, com certeza, agitará muito o Céu, cobrando providências de São Pedro, o tempo todo. É da sua natureza.

Até mais ver, querida Dona Fernanda. Somos-lhe muito gratos por tudo...

(*) Escritor e jornalista. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.


ADEUS A DONA FERNANDA

Maria Lúcia Becattini Miranda
Cadeira nÀ 30
Patrona: Dona Tiburtina

Deve ser tempo de colheita nos jardins do Senhor!

Em poucos dias, Montes Claros perdeu pessoas significativas e atuantes, dentre elas a querida amiga Maria Fernanda e Brito Ramos.

O que mais me impressiona é que nunca nos acostumamos com a ideia da morte. Temos consciência de que esta vida é passageira. Nenhum de nós pode ficar aqui para sempre. O maior tempo que podemos permanecer são
aproximadamente cem anos. Mesmo assim, sempre recebemos a triste notícia dos seres amados que morreram, com tristeza, perplexidade e um sentimento de impotência de que nada podemos fazer. Só mesmo rezar, pedindo a Deus que os guarde em Sua plenitude.

E assim foi ao receber a dolorosa notícia do falecimento da querida amiga, Fernanda Ramos...

Foi um dia de luto! Até o tempo, nublado e frio, deste principio de inverno, colaborou com a nossa tristeza.

Ela possuía uma personalidade forte e impressionante! Inteligentíssima, corajosa, dinâmica, culta, atuante, muito viajada, era uma cidadã do mundo! Fui apresentada a ela por sua grande amiga, Geraldina Reis e, logo, fiquei fascinada por sua interessante história de vida. Viúva, jovem
ainda, criou seus nove filhos com garra e coragem, e até o fim liderou sua numerosa família com sabedoria e amor. E tinha muito orgulho de todos.

Viveu intensamente como em um roteiro de novelas. Lembrava-me uma daquelas mulheres fortes da Bíblia, enfrentando todos os perigos em defesa do seu clã. Sempre a pedia para escrever um livro para que nada se perdesse e deixar tudo registrado para os netos e bisnetos.

Nós, seus amigos, gostávamos muito de ouvi-la contar suas fascinantes aventuras. Foi voluntária da Cruz Vermelha em Portugal, durante a Segunda Guerra Mundial, em serviço de ajuda acolhendo refugiados. As crianças, órfãs de guerra, chegavam desamparadas e famintas, com cartazes dependurados em seus pescoços, com o nome dos pais desaparecidos. Umverdadeiro horror! Ali, viu de perto a tragédia da guerra e suas trágicas consequências. E nos repetia que o Brasil é mesmo abençoado por Deus, por vivemos em paz.

Tinha o dom da comunicação e o usava para ajudar as pessoas com sua grande influência e boa vontade.

Os portões da Fazenda Vista Alegre estavam sempre abertos para receber quema procurasse para pedir sua ajuda e seus conselhos. E como ela gostava disto... Sua mesa farta estava sempre posta, e ela em sua varanda, recebia muito bem a todos com bom humor e com seus francos e
sábios conselhos.

Excelente anfitriã, gostava muito de recepcionar os amigos em lindas festas. Uma das últimas, e a mais bela e glamurosa de suas festas, foi em homenagem ao príncipe herdeiro, D. Bertrand de Orleans e Bragança. Nos jardins iluminados, os amigos circulavam e Fernanda nos recebia com a classe e categoria de uma baronesa do antigo império. Foi como se fosse sua despedida...

Resta-nos, agora, continuar a grande aventura da vida sem sua presença solidária e relembrar seus sábios conselhos. Ela me disse um dia:- “A morte faz parte da vida. A melhor homenagem que podemos prestar a quem morreué continuar a viver da melhor maneira possível”.

Adeus amiga, tentaremos seguir seu último conselho, mas a saudade será nossa companheira constante.


CÔNSUL FERNANDA RAMOS

Wanderlino Arruda
Cadeira nÀ 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Segundo Aristóteles, a grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las. E conforme Edith Wharton, há duas maneiras de irradiar a luz: ser a própria fonte de brilho ou o espelho que a reflete. Grandeza, honra, luz, fonte, espelho, reflexo, um universo de palavras indicativas de valor e mérito.

Em todas estas ideias e seus significados posso emoldurar a mulher corajosa e cheia de ideais, que é D. Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, Cônsul Honorária de Portugal no Norte de Minas, minha amiga e mestra de longo tempo em vários setores da vida. A mesma D. Fernanda que é capaz de elogiar sem rodeios ou demonstrar uma inconformidade
sem indecisões.

É para esta mulher guerreira, que fazemos uma festa espiritual em comemoração aos seus oitenta anos, mais do que bem vividos. Multipliquemos os seus janeiros por meses e dias ou por horas e minutos, e podemos estar certos de que qualquer medida de sua existência vem gravada de proveitoso

construir, do muito amar, de um esforço incrível para melhorar a vida e o viver. Dela mesma e de muitos. Dona Fernanda é um dínamo sem medida de voltagem, uma criatura sem limites na busca da perfeição, exigência própria, exigência com quem estiver à sua frente ou ao seu lado. Sempre chuva, nunca neblina, nada em D. Fernanda é calmaria, nada. Para ela, a vida é busca incessante do que fazer, do como agir, do assinalar exemplos, uma corrida olímpica de pistas e de pódios. É vencer ou vencer!

A Montes Claros já chegou D. Fernanda, jovemesposa de Artur Loureiro Ramos, para ser grandeza do comércio e da indústria, vivência e trabalho na Casa Luso-Brasileira, centro e coração da cidade. Forte acento no caprichado falar da Universidade de Coimbra, onde a Faculdade de Engenharia lhe permitiu belíssima formação intelectual e liderança. Aqui o seu maior contato com a realidade regional e brasileira, a sua consolidação no trato de tudo e com todos. Atitudes fortes, cada atuação mais do que definida: a família, os amigos, as companheiras e os companheiros de intelectualidade, o trato social mais do que valorizado. Mínima a distância entre o ser e o atuar. Até no dia-a-dia foi moça de sorte, porque a Casa Ramos ficava exatamente na única esquina das duas ruas calçadas, a Rua Quinze e a Rua Simeão Ribeiro, quando toda inteireza urbana era vermelhidão de poeira.

Dona Fernanda esteve sempre de bem com a vida, Algum descanso na Fazenda Vista Alegre, algum tempo em reuniões do Clube Montes Claros, do Automóvel Clube, da Associação Comercial e Industrial. Importante na
fundação do Elos de Montes Claros, na Sociedade das Amigas da Cultura, na Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas, no Instituto Histórico e Geográfico. Importantíssimas as atividades de D. Fernanda como líder elista: conselheira, diretora, presidente internacional. Sempre presente em encontros regionais e inter-países, principalmente em convenções. Como presidente internacional tomou várias iniciativas de elevada repercussão, valorizando grandemente o Brasil e Portugal, além de benefícios aos países irmãos de fala lusitana. Um valioso exemplo de solidariedade e amor!

Três fatos marcam definitivamente o seu prestígio: a vinda do Cônsul Sá Coutinho e esposa na fundação do Elos de Montes Claros, a homenagem que a dra. Manuela Aguiar, deputada federal em Lisboa, veio trazer-lhe pessoalmente na Sociedade das Amigas da Cultura de Minas Gerais e a sua escolha pelo governo português para o cargo de Cônsul Honorária no Norte de Minas. Quantos e quantos dirigentes do Elos Internacional vieram a Montes Claros a seu convite, por força do seu valor! Lembro-me como se fosse hoje da grande festa de inauguração do Consulado, na sua antiga residência da Avenida Cel. Prates, agora Praça Portugal. Muito difícil repetir o sucesso de D. Fernanda Ramos como o da sua presidência na ADCE, dias realmente dourados para o prestígio da instituição. Com que entusiasmo D. Fernanda planejou, construiu e vem mantendo o Hotel Fazenda Vista Alegre, local aprazível não só para hospedagens, como também para realização de eventos.


Léon Denis, o sábio pensador francês, sempre achou que não basta crer e saber. É sempre necessário viver e fazer praticar na vida princípios superiores. Nossa existência tem que ser alegre, harmoniosa, plena de bênçãos de paz e de amor, sempre e sempre despertando esperanças. Não há como negar ser o amor a realidade mais pujante, porque o amar é o grande desafio. O amor deve ser causa, meio e fim. É por isso e por muito mais que Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, nossa querida Cônsul, Companheira e Amiga, vive e sobrevive em razão dos seus muitos sonhos.
Agora nos seus bem norteados oitenta anos e ainda por muito tempo mais. Bem haja!

PS.: A grande viagem da amiga D. Fernanda, Cônsul de Portugal, deixa-nosórfãos, desfalcados de uma sempre marcante presença em nossas vidas. Muitas e muitas serão as saudades, as lembranças de sua cultura, sua combatividade, seu amor ao Brasil e a Portugal,seu grande amor ao Elos Clube, seja o Internacional, de que ela foi presidente, seja ao Elos Clube de Montes Claros e aos diversos de nossa instituição. Um grande abraço, por ora, D. Maria Fernanda Monteiro de Brito e Ramos.



HOMENAGENS A
EDGAR PEREIRA

AINDA O CENTENÁRIO
DE EDGAR PEREIRA

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira nÀ 82
Patrono: Nelson Viana

O centenário do ex-deputado Edgar Pereira segue bem comemorado, tornando mais conhecida a sua biografia de político e empresário, e corrigindo dados incorretos sobre sua pessoa. Lamento não tê-lo conhecido pessoalmente, acredite, embora se tratasse de cidadão de alta popularidade. Poderíamos ter sido até amigos, se as descoincidências do destino não nos mantivesse separados, apesar de estarmos muito próximos. Sabe-se que a vida é feita de encontros e desencontros. No nosso caso faltou o encontro, porque era mínima a distância que nos separava. Para começar, éramos conterrâneos, brasilminenses de berço, sendo eu natural da sede e ele do distrito e paróquia de Santo Antonio da Boa Vista. Quando ele nasceu, nosso município se chamava Villa Brazílea. Na minha vez, já era Brasília. Atualmente, é a progressista e carnavalesca Brasília de Minas, de vetustas tradições.

Lembro-me de que sua primeira esposa, dona Zulma Antunes, era uma das mais queridas amigas de Mamãe. Encontravam-se com grande alegria, freqüentavam-se em visitas demoradas, cultivaram uma amizade que durou a vida inteira, desde a década de 1930. Mesmo assim, não tive oportunidade de ser identificado por Edgar Pereira; o destino nos escondia um do outro. Meu saudoso Pai, por seu lado, era muito estimado por ele, como amigo da família Antunes e seu parceiro nas partidas de pôquer que varavam a madrugada, nas noites frias de nossa cidade. Por ocasião da primeira eleição municipal de Varzelândia, meu velho, já aposentado da escrivania, foi convidado por Edgar para assessorá-lo como conhecedor de direito eleitoral. Pois nem assim foi feita nossa apresentação. E continuamos desconhecidos mesmo tendo sido Edgar patrão e amigo de meu irmão Fernando, que trabalhou durante anos na firma Irmãos Pereira. Fiquei conhecendo seu irmão Renato; e anos depois tivemos, eu e Maria do Carmo, o prazer de receber,em nossa casa, para um almoço, os irmãos Yolanda e Cipião Martins Pereira, ele do Jornal do Brasil e da revista O Cruzeiro, tido como um dos melhores textos da imprensa brasileira. Continuamos desconhecidos, ou melhor, ele não me conhecia, porque era uma pessoa pública, congressista e capitão de indústria, e eu apenas um rapaz que assinava matérias na imprensa local. Talvez tenha visto meu nome, e pode até ter lido a matéria e perguntado a alguém: “Quem é o autor”? Não passou disso nosso relacionamento por afinidade, de caminhos paralelos.

As biografias publicadas desmentemversões que corriam sobre a personalidade do aniversariante. Não vejo nenhum demérito na pobreza. Os pobres ganharão o reino do céu, é certo, mas Edgar Pereira nunca foi de origem humilde, como se apregoa por aí. Em que terra, comerciante e
industrial pode ser tido como pobre. Seu pai, o velho Ioiô, casado com dona Quita Pereira, era usineiro de algodão e matriculava os filhos nos melhores colégios. Outra lenda, que se desfez com as biografias de Augusto Vieira Neto e Wagner Gomes, foi a de que se tratava de um bronco, de poucas letras. Montaram até anedotas sobre essa suposta ignorância. Disseram que ao ser informado pelo técnico do Ipê de que o time, para atuar melhor, precisaria de entrosamento, teria dado a ordem para que comprassem o tal entrosamento. Isso deve ter sido maldade de algum cassimirense ou atenense. Essa pilhéria injusta e despropositada não faz sentido, uma vez que Edgar Pereira alisou bancos no Gymnazio Mineiro (atual Colégio Estadual), de Belo
Horizonte, e no Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, por onde passava a elite da juventude brasileira. Pode ter ouvido Manuel Bandeira discorrendo sobre poesia. Ou ter sido colega de sala de Vinícius de Moraes, nascido em 1913.


EDGAR PEREIRA, O JUSTO
CAPITÃO DE INDÚSTRIA

Itamaury Teles de Oliveira
Cadeira nÀ 84
Patrono: Newton Prates

Desde que me entendo por gente, ouço falar em Edgar Pereira. Isso porque ele foi sempre muito ligado a Porteirinha, onde mantinha entreposto de compra de algodão e se envolvia não só nas disputas eleitorais, mas também participava dos acontecimentos festivos e sociais da cidade.

Ali, optou por apoiar os “Gabirobas”, cujo líder era o seu amigo Alcides Mendes da Silva, grande produtor e comprador de algodão da sua empresa Comércio e Indústria Irmãos Pereira S/A – nome que, em letras garrafais, identificava o entreposto na esquina das ruas Pedro Caíres e Benjamim Constant.

Do outro lado, havia Anfrísio Coelho, chefe dos “Liobas”, também comprador e beneficiador de algodão, com sua firma Coelho & Cia. E, também, Anísio Santos ( o fiel da balança entre os dois grupos políticos), também usineiro, principal acionista da Ciasa, a primeira sociedade anônima na então denominada Capital Mineira do Algodão.

Mas Edgar Pereira transitava com naturalidade por entre membros das facções políticas antagônicas, sendo amigo de todos. Era uma figura muito carismática e andava sempre cercado de pessoas, que gostavam de ouvi-lo contar as novidades da política e do mercado algodoeiro.

No final da década de 1950, quando o Clube Social de Porteirinha ainda era mero projeto arquitetônico, Edgar Pereira participou da famosa Festa do Algodão na cidade, que aconteceu nas dependências do velho mercado municipal, providencialmente limpo após a feira sabatina. Nessa festa, cada usineiro apadrinhou uma candidata. E os “Irmãos Pereira”, firma ali representada por um de seus próceres, o Edgar Pereira, apadrinhou justamente a minha tia Miracy Teles, recentemente falecida.

Como tenho acervo respeitável de imagens da minha querida cidade natal, guardo comigo fotografias dessa noite memorável – de que não participei, evidentemente -, em que foi eleita Rainha do Algodão a então senhorita Suely Cardoso (mais tarde esposa do Dr. Djalma Coelho), apadrinhada pelos “Paculdinos”, ali representados pelo Ferreirinha.

Mas, mesmo tendo sido a festa realizada no mercado municipal, Edgar Pereira lá compareceu trajando terno branco e gravata borboleta, revelando o respeito e o carinho que devotava à gente amiga porteirinhense.

Em 1970, já morando em Montes Claros, de certa forma fui parceiro de negócios do industrial Edgar Pereira. Eu trabalhava na Sisan, cuidando da usina de beneficiamento de algodão, que meu cunhado Omir Antunes arrendara de Oldemar Santos, dentro do complexo da Irsamasa. Eu era encarregado de despachar, para os “Irmãos Pereira”, vários caminhões de caroço de algodão, por dia, para alimentar a fábrica de óleo comestível ‘Boa-zinha” (aquele do comercial – hoje, anacrônico – que enfatizava:“Todos gordinhos, com óleo Boa-zinha”. Mas, à época, ser magro era sinal de doença)...

Lembro-me do Edgar Pereira candidatando-se, mais uma vez, no início dos anos 70, à Câmara Federal, e da inovação trazida à cidade, em matéria de propaganda eleitoral: um grande balão inflável, contendo seu nome e seu número (222), ficara ancorado em casa de sua propriedade, na Praça Cel. Ribeiro, e era visto até de bairro distante...

No dia em que falecera, em 1973, antes de empreender sua última e fatídica viagem a Brasília de Minas, tive contato pessoal com o Deputado Edgar Pereira. Ele fizera visita de cortesia à redação do Diário de Montes Claros. Ali, conversou longamente com o Diretor Décio Gonçalves, com o Editor Jorge Silveira e comigo, então repórter do jornal, onde também mantinha a coluna “Vida Estudantil”.

Nessa conversa informal, falara de certo político conhecido, caracterizado pela imprevisibilidade de suas atitudes. Suas palavras, lembro-me até hoje: “Quando ele vem de braços abertos em nossa direção, nunca sabemos se é para nos abraçar ou para nos agredir...”. Mas trouxe-nos muitas novidades de Brasília, inclusive a informação de que conseguira muitas bolsas de estudo para pessoas carentes da nossa região.

A notícia da morte de Edgar Pereira colheu a todos nós de surpresa. Na edição seguinte, a coluna “Vida Estudantil” teve como tema principal a morte daquele que era considerado o pai do estudante pobre, que ficara órfão.

Mas a figura do capitão de indústria Edgar Pereira paira, ainda hoje, sobre a economia norte-mineira, como um homem empreendedor que extrapolou as fronteiras regionais, expandindo e diversificando negócios que atingiram
não só Minas Gerais (Montes Claros e Uberaba), mas o Para
ná (Ponta Grossa e Campo Mourão), e São Paulo (Guaíra).

Pelas sementes que plantou, pelos pobres alunos que ajudou, pelos milhares de emprego que criou, pelo exemplo que deixou, Edgar Pereira continua a ser lembrado, com carinho e gratidão, no coração e mente da gente sertaneja.


CENTENÁRIO DE EDGAR PEREIRA

Petrônio Braz
Cadeira nÀ 18
Patrono: Brasiliano Braz

Montes Claros respeitou; Minas admirou; o Brasil conheceu o político e o empresário. No próximo dia 31 de outubro, o Norte de Minas estará comemorando o centenário de nascimento do brasilminense Edgar Martins Pereira, que se tornou cidadão norte-mineiro.

Ele viveu ativamente em um dos momentos mais positivos financeiramente da vida do Norte de Minas: a Era do Algodão.

Ouvia falar de Edgar Pereira quando ainda residia em São Francisco, e ali chegou o jovem caminhoneiro Sebastião Rocha, comprador de algodão para as empresas de Edgar. Em 1963 mudei-me para Montes Claros. Aqui, através do professor Zezinho Fonseca, vinculei-me a Luiz de Paula Ferreira, dono da Algodoeira Luiz de Paula, da qual tornei-me diretor administrativo a partir de 1966. Tínhamos Edgar Pereira como ex-adverso nos campos comercial e político.

Assim, posso dizer que conheci Edgar Pereira pela ótica de quem está distante, mas com o espirito desarmado, e melhor pode avaliar os seus valores pessoais.

Ahistória não é escrita, fixada, por quem convive lado a lado com os que fazem história, mas pelos que pesquisam os fatos e a vida dos personagens que fizeram história. Edgar Pereira fez história.

Edgar Pereira, nascido em Santo António de Boa Vista, município de Brasília/MG, hoje de Minas, veio ao mundo trazendo o sangue empreendedor de Maximiliano Martins Pereira, seu pai, e a bondade humana de Maria das Dores Pereira, sua mãe.

Sua vida e atos marcaram a sua personalidade. Mesmo afastado do seu convívio pessoal, mas conhecendo e admirando seu trabalho, sua atuação comunitária, identifiquei o homem Edgar Pereira, o ser humano temperamental, de uma sensibilidade extrema e marcante singeleza no trato com as pessoas, sempre coerente e presto em suas decisões.

Sua imortalidade está presente não apenas no obelisco plantado na entrada da Avenida João XXIII, portal do Bairro “Edgar Pereira”, em Montes Claros: “UM MARCO DEAMORE IDEALISMOGRAVADOPARA SEMPRENO NORTE MINEIRO”. Seu trabalho político está registrado nos anais do Congresso Nacional; seus empreendimentos ficaram gravados na memória e se fazem presentes na materialidade histórica de suas empresas.

Ele é patrono da Cadeira nº 32 do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, ocupada pelo confrade Edgar Antunes Pereira. A imortalidade de Edgar Pereira se faz presente pela memória de uma existência, que deixou marcas particularizantes. Não é preciso ser vassalo, como afirmou Castilho, para imortalizar as proezas de um homem. Todos os homens de bem podem se tornar imortais na lembrança dos que ficam. É imortal aquele não pode perecer, livre da metafísica espiritualista.

Sua glória terrena foi adquirida por suas ações, pelos serviços relevantes prestados ao Norte de Minas.

Seus filhos e sucessores ainda choramo seu prematuro passamento, “lágrimas de imortal contentamento” (Camões), porque a lembrança e o seu passado são inextinguíveis, imorredouros. Plagiando Garrett ouso dizer que ele caiu como um bravo em plena batalha política e quedou-se gloriosamente.


HOMENAGENS A
REGINAURO SILVA

 

ADEUS, VELHO COMPANHEIRO

Itamaury Teles de Oliveira
Cadeira nÀ 84
Patrono: Newton Prates

Conheci Reginauro Silva no dia 16 de junho de 1971. Por que uma data tão precisa? Porque foi o dia em que fui admitido como repórter n’O Jornal de Montes Claros. Reginauro já era repórter havia algum tempo, e já auxiliava Waldyr Sena, o Secretário de Redação, como copidesque dos textos dos repórteres neófitos, também conhecidos por “focas”. Mas não somente desses, pois há veteranos jornalistas que são excelentes repórteres, mas péssimos redatores, necessitando seus textos, sempre, do auxílio de um revisor de escol.

Para a redação de três edições semanais – às terças, quintas e sábados -, sem o auxílio de “releases” de assessorias de imprensa e da internet, ou mesmo dos já ultrapassados aparelhos de telex ou teletipos, fazíamos das tripas coração. A única “modernagem” que utilizávamos era o velho e pesado telefone de mesa, com seu disco ruidoso e lento...

A organização interna do jornal se resumia a uma singela departamentalização, com Lazinho Pimenta, na coluna social; Alberto Sena, na reportagem policial; Péricles Suzart e Arthur Leite, nas reportagens esportivas; e Reginauro Silva e eu, nas reportagens gerais. Eu cobria as entidades de classe (LBA, CDL, Acar, Sesc, Delegacia de Ensino,
Receita Federal, colégios, Merenda Escolar etc). Reginauro ficava com câmara de vereadores, prefeitura e assinava a coluna denominada “Leitura Dinâmica”, sob o pseudônimo de “Rerosil” ( de REginauro ROdrigues SILva...). Waldyr Sena Batista era o grande comentarista político, com a coluna semanal “Fatos e Personagens”, e o responsável pela edição do jornal. O Dr. Osvaldo Antunes, nessa época, comparecia muito pouco à redação, mas às vezes escrevia, com raro brilho.

Além de termos sido colegas de redação no vetusto “O Jornal de Montes Claros”, que funcionava na Rua Dr. Santos, 104 – onde é hoje a agência da Caixa Econômica Federal -, Reginauro e eu também fazíamos o jornal institucional do Centro de Atividades do SESC, em Montes Claros. Mensalmente, lançávamos uma edição do “CAMOC”, feito artesanalmente, e impresso em mimeógrafo a óleo, nas dependências do recém-inaugurado Colégio Polivalente, no então pouco habitado Bairro Jardim São Luiz, no início dos anos 70.

Depois, empreendi carreira diferente: fui trabalhar no Banco do Brasil. Mas, jamais deixei de colaborar com os jornais de Montes Claros... Nas redações dos diversos jornais da cidade, que nascem e morrem com freqüência, sempre encontrava o velho companheiro.

Depois que me aposentei, Reginauro convidou-me para escrever no jornal “O Norte de Minas”, que fundara sob o patrocínio do empresário Ruy Muniz, atual prefeito da cidade. Ali, por mais de cinco anos, escrevi a coluna “Por detrás do meu Ray Ban”, três vezes por semana, nos mesmos dias que circulava “O Jornal de Montes Claros”, onde começamos no jornalismo: terça, quinta e sábado... Ali fiquei até o dia que Reginauro deixou de editar “O Norte de Minas”, e planejava fundar um novo jornal impresso: A Província, onde eu fazia parte da equipe de articulistas.

Mas esse projeto do Reginauro ficou apenas no papel. Convidado pelo então prefeito Luiz Tadeu Leite, foi assessorá-lo na Prefeitura de Montes Claros. Ocupado com outros afazeres, resolveu adaptar seu projeto de “A Província” em um jornal eletrônico de mesmo nome, com grande sucesso entre os milhares de leitores que visitavam a página, na internet.

Reginauro sempre foi muito criativo e irrequieto. Estava, constantemente, engendrando fórmulas capazes de dar vazão à sua aptidão inata de criação: além de jornais – como um mural diário, que expunha nas esquinas mais movimentadas da cidade -, deixou inéditos livros vários – como o polêmico “As 74 mulheres que eu amei” –, além de peças teatrais abordando aspectos históricos – “A formiga que queria ser cidade e virou princesa” – e hilariantes, como o “Seu marido sabe que você tem outro homem?”...

Ainda em vida, Reginauro fez muita falta a Montes Claros, quando, por razões políticas, ficou sem espaço na cidade e teve de mudar-se para a Bahia, onde também semeou alguns jornais.

Agora, muito mais, a falta desse talentoso homem, que cunhou uma das frases mais emblemáticas de Montes Claros – “Cidade da arte e da cultura” –, cala profundo...

O almenarense, de família humilde, que aportou em Montes Claros na década de 60, em busca de melhores dias, realizou-se: plantou ideias, realizou sonhos, teve filhos, escreveu livros. Hoje, brilha no firmamento dos homens ilustres, que ajudaram no progresso desta terra de Gonçalves Figueira, e já é nome de Praça.

Por tudo que fez, Reginauro Silva fez escola e será um nome sempre lembrado pela história de Montes Claros. Com justo merecimento.


REGINAURO

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira nÀ 82
Patrono: Nelson Viana

Eraumgaroto que, como todo luiscarlosnovaes, amava os Beatles e os Rolling Stones. E não poderia ser de outra forma, visto que nasceu no Ano Santo de 1950, faltando apenas cinco anos para a gravação da música ”Ao balanço das horas”, no filme de mesmo nome, que revolucionou a juventude do mundo inteiro lançando o ritmo do rock. Foi também o ano aziago em que a seleção brasileira perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai, em pleno Maracanã, de virada.

Para a imprensa de Montes Claros, que naquele ano era formada apenas de um jornal e uma emissora de rádio, marcou o nascimento em Almenara, cidade mineira do Jequitinhonha, próxima da Bahia, de um jornalista que pode ter sido seu maior repórter de todos os tempos. Não corro o risco de estar exagerando ao estabelecer um conceito para o amigo querido que partiu há poucos dias, deixando um grande vácuo em sua ausência, difícil de ser preenchida por outro profissional da imprensa. Ouvido a respeito disso, Waldyr Senna Batista, seu primeiro chefe de redação, no O Jornal de Montes Claros, que costuma ser rigoroso em suas avaliações, declarou que Reginauro Silva foi “excelente repórter”. Nada mais precisa ser dito, a não ser que foi crescendo a olhos vistos, muito lido e admirado nas matérias que assinava, e passando por diversas redações da imprensa local. Tornou-se, então, bastante conhecido como jornalista brilhante e teatrólogo, dotado de rara criatividade no exercício de seu mister.

Tive o privilégio, por mero acaso, de vê-lo iniciandose, no trabalho, ainda adolescente, no balcão do Bar Vilas-Boas, na Praça Coronel Ribeiro, servindo cafezinho a pessoas comuns e também a celebridades. Lembro-me dele atendendo o esportista e jornalista “Tu” Peixoto”, o contador Leônidas Leão, o professor Pedro Santana. Por ali também passaram o ecologista José Gonçalves Ulhoa, o britânico diamantinense João Walter de Godoy Maia, o gramático José Márcio de Aguiar, o filosófico “seu” Pires e outros que se perdem nos desvãos da memória, tanto tempo faz. Vejo-o caprichando o cafezinho para Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e outros artistas que se hospedavam no Grande Hotel São José, a exemplo de Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves. Não me esqueci de que os boêmios habituais do bar chamavam Reginauro de Brizola, carinhosamente,porém não me recordo da origem do apelido. Talvez pela inteligência e agilidade que viram nele, prevendoumfuturo promissor para o garoto...

Ele poderia ter-se perdido, na orgia, como a maioria dos jovens de sua geração, marcada pela trilogia sexo, droga e rock’n’roll, mas largou a turma a tempo de salvar a bela carreira de jornalista que construiu. Só se lamenta que não tenha seguido outros moços que partiram para centros maiores e fizeram carreira de nível nacional. Não se imaginava vivendo e trabalhando em outra cidade que não fosse sua adorada Montes Claros, a qual coroou com a denominação poética de Cidade da Arte e da Cultura.


O ÚLTIMO ADEUS A REGINAURO SILVA

Felicidade Vasconcelos Tupinambá
Cadeira nÀ 36
Patrona: Felicidade Perpétua Tupinambá

“Reginauro vai ser sempre uma referência de Jornalismo em Montes Claros e na região. Ele será para sempre meu editor, com quem aprendi muito. Sem dúvida, uma grande perda para todos nós. Mesmo tendo uma religião como alicerce, que nos garante a vida eterna, a dor é grande. Mas isso mostra a inexorabilidade da morte, que é inevitável. Uma das minhas muitas lembranças foi o ‘Conversa Fiada’ que fiz com ele e com diversos ex-colegas dele da Escola Normal, sobre o Grêmio Estudantil. Eu fiquei gratificada por ter promovido este encontro. Eles, embora homens feitos já, mostraram que ainda tinham e têm alma de criança. Outra lembrança importante: eu ingressei no impresso pelas mãos dele. Àépoca, minha coluna não tinha título e foi ele quem criou o nome ‘Simplesmente’ para a coluna. E no último domingo (20/05), durante a festa do Karoba, ele me afirmou que tinha planos para retornar ao impresso e que gostaria que eu voltasse a escrever a minha coluna”.


 

RIQUÍSSIMO LEGADO

Wanderlino Arruda
Cadeira nÀ 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

 

“Reginauro é umícone do conhecimento, da cultura. A ausência dele vai fazer muita falta à cidade e à região. De atividade constante, ele deixaum riquíssimo legado para a história de Montes Claros. E nós, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, tivemos a honra dele ter sido um dos fundadores”.

 


A TRISTE PARTIDA

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nÀ 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires)

A cidade de Montes Claros está de luto. Morreu o dramaturgo e crítico literário Reginauro Silva. Morreu o confrade que ocupava com méritos a Cadeira número onze do egrégio Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Ele tinha como patrono o ilustre jornalista Ary Oliveira. Na Revista do Instituto, volume VII, Reginauro Silva participou com o texto Encontro Cadavérico, quando foi muito elogiado pela imprensa local. Há um silêncio profundo na imprensa montes-clarense. Um silêncio de respeito e de gratidão.

Agora, choram os sinos; choram os hinos; choram os meninos. O palhaço tem o sorriso triste e a boca de palco sequer soletra uma única palavra. Na noite, um vulto perambula abatido, desmedido, bandido das horas mortas em busca da Viadagem. Reginauro Silva, num último suspiro de dor e saudade revela-nos a incerteza dos nossos projetos. A Formiga que queria ser cidade e virou princesa jamais pensaria num momento deste: de morrer. Certamente que as melhores lembranças deste grande homem ficarão para sempre gravadas na história de nossa cidade. Reginauro Silva foi um construtor da cidade de Montes Claros. Dinâmico jornalista, ele prestou os serviços mais importantes na imprensa local em beneficio de sua terra e de sua gente. Hoje ele nos deixa. Lágrimas, soluços e choros serão incontidos no momento de sua despedida. Adeus, amigo! Requiescat in pace!


O SILÊNCIO DO GUERREIRO

Jerúsia Xavier Arruda
Cadeira nÀ 28
Patrono: Darcy Ribeiro

A morte é mesmo uma coisa estranha. Assistimos pela televisão a cenas trágicas, reais e fictícias, o tempo todo. Choramos e acalentamos o choro de pessoas que perderam entes queridos, mas nunca estamos preparados quando o dia fatídico chega para alguém próximo a nós.

A morte de Reginauro Silva me leva a essa reflexão. Não importa o plano que fazemos, o quanto evitamos situações de risco, se fazemos check-up ou não, nada adianta. Quando a hora chega, interrompe tudo, sem mais nem menos. Simplesmente põe fim a uma história. E é ainda mais difícil perder alguém cheio de energia, de vigor, de vida.

Na verdade, a morte é uma violência que açoita a alma. Por isso precisamos viver o desapego das coisas fúteis e inúteis, perdoando sempre, amando sempre.

Reginauro Silva foi uma pessoa determinante na minha profissão. Ao lado dele dei os primeiros passos no jornalismo, com ele aprendi a escrever minhas primeiras crônicas, a analisar criticamente o que só poderia ser visto nas entrelinhas.

Dele me despeço com pesar, mas com a certeza de que conheci um homem que escreveu uma grande história, e que me permitiu, em algum momento, fazer parte dela, o que muito me orgulha.

Aos familiares de Reginauro, meu desejo é que Deus lhes dê acalanto, força e proteção nesse momento difícil.

Com os colegas de imprensa compartilho o luto de quem perde um bravo guerreiro, numa batalha às vezes inglória, que é tecer diariamente o fio da história.

A Reginauro Silva, minha gratidão.



ARTIGOS DIVERSOS
DOS SÓCIOS DO IHGMC

 

UNIMONTES

Clarice Sarmento (Augusta Clarice Guimarães Teixeira)
Cadeira nº 31
Patrono: Dulce Sarmento

Conheci a Unimontes quando ainda era a FUNM (Fundação Universitária do Norte de Minas). Seu presidente, Professor José Geraldo Drumond, médico idealista e realizador, sonhou vê-la transformada em universidade.

A fundação era composta pelas faculdades de Filosofia, Medicina, Direito e Economia e, para abranger todas as áreas necessárias para que se transformasse em universidade, era necessária uma Faculdade de Artes.

Marina Lorenzo Fernândez, que dirigia o Conservatório Lorenzo Fernandez (escola de artes de nível médio), foi chamada e, logo, como sempre cheia de entusiasmo, organizou o estatuto, os programas, convocou seu melhores e mais habilitados professores e fundou a FACEART (Faculdade de Educação Artística). Disponibilizou as salas e instrumentos do Conservatório para o início das atividades e, mediante empenho e diligências, a autorização de funcionamento aconteceu, por decreto federal, em 07/10/86, sob o número 93345/86.

Por dois anos Dona Marina dirigiu a faculdade, no fim dos quais, solicitada pela família para assumir a direção do Conservatório Brasileiro do Rio de Janeiro, fundado por seu pai, Lorenzo Fernândez, deixou-nos com a responsabilidade de continuar sua obra.

Como ninguém queria assumir o risco de substituir tão grande personagem, fui eleita à revelia. A professora Lygia dos Anjos Braga assumiu a direção do Conservatório
e, sob a alegação de necessitar das salas, exigiu nossa saída do prédio da rua Cel. Joaquim Costa.

Assim me vi diretora de uma Faculdade autorizada, com alunos no terceiro ano de Música, Artes Plásticas e Teatro, sem nenhum instrumento musical e sem local para seu funcionamento.

Na primeira reunião do Conselho da Fundação a que compareci, figurava na pauta a inconveniência de manter uma Faculdade deficitária, já que demandava uma despesa muito grande para seu aparelhamento, alémdo número de alunos ser pequeno e as disciplinas e o número de aulas numerosos. Durante todos os primeiros anos, a ameaça da desativação sempre esteve presente. Tentando diminuir os gastos, enxuguei o currículo para o mínimo que não comprometesse a qualidade, diminuí o número de aulas e consegui, sempre com o apoio do Dr. José Geraldo, um voto de confiança do relutante Conselho.

Para comprar os primeiros instrumentos, fui com a professora Maria Antonieta Silvério a São Paulo.Sempre preocupadas com as despesas,para maior economia, nos hospedamos em casa de meu irmão. Percorremos o centro da cidade experimentando instrumentos, comparando preços, para, enfim, voltarmos vitoriosas para a inauguração de nossa primeira sede, ainda provisória, nas salas do antigo prédio da FAFIL. Concertos, exposição de pintura e uma peça teatral, abrilhantaram as festividades comemorativas.

Nossa segunda sede foi recebida com uma festa maior ainda, já que, desta vez, era um prédio adaptado às nossas necessidades (tinha atéumpequeno auditório). Hoje, lá funciona o Museu do Folclore e a antiga Faceart é o curso de Artes da Unimontes.

Os quatro anos,nos quais permaneci á frente da faculdade, foram de intensa atividade cultural: Concertos instrumentais, peças teatrais, audições de canto, cursos de atualização para professores, exposições de pintura e a realização da primeira ópera em Montes Claros: La Bohéme, de

Puccini, que aconteceu no auditório da Escola Técnica, com cantores professores e alunos, sob a direção da professora Maristela Cardoso.

Em1992, com a formatura da primeira turma, a principal preocupação se torna a necessidade de obter o reconhecimento da Faculdade. Cleonice Souto, Pró-Reitora de Ensino da, já então, Unimontes, torna-se a peça chave como nossa orientadora, na preparação da documentação necessária para os trâmites legais. Em 27/04/93, pela portaria ministerial 634/93, a Faceart é reconhecida oficialmente.

Assisti à luta dos primeiros diretores deste período, a competência com que enfrentavam as dificuldades, sempre tendo como luzeiro a concretização de um sonho de engrandecimento de nossa terra e nosso povo. Liderados por Dr. José Geraldo Drunond, os diretores José Antônio
de Castro (Direito), José Carlos Barbosa (Medicinsformar a FUNM em UNIMONTES. Muitas transformações aconteceram. Cleonice Souto, secretária, torna-se Pró-Reitora de Ensino, Maria de Lourdes Paixão (Extensão), Rui Pedro Klasman, Pró-Reitor de Administração e Finanças, Ivo das Chagas, Pró-Reitor de Pesquisa. Muitos professores novos foram admitidos. Alguns vieram de fora e se tornaram montes-clarenses por merecimento.Prestaram concurso e, aos poucos, a Universidade foi se consolidando.

Na Faceart não trabalhei sozinha. Da vice diretora Marina Sarmento e as competentes secretárias Maria Eugênia Athayde e Cleusa Ferreira aos chefes de departamentos e professores da primeira turma, todos trabalharam com afinco, entusiasmo e idealismo,para consolidar o que hoje é o Curso de Artes da Unimontes: Na música vocal e instrumental Antonieta Silvério, Thalita e Patrícia Peres, Marta de Paula, Raquel Crosoé e Sebastião Andrade. No teatro, José Batista vem substituir Liana Meneses. Nas Artes plásticas,o professor Conrado e Maione Medeiros dão lugar a Elda Aléssio e Juscemira Rocha. Os alunos se tornam mais numerosos e novos professores são admitidos. Em junho de 1993, deixei a direção para continuar como professora de Canto Coral, com a certeza do dever cumprido.

Hoje, vejo com admiração a Unimontes transformada numa das maiores universidades do Brasil, e penso com carinho no trabalho dos pioneiros, daqueles que idealizaram, trabalharam, e assistem hoje à concretização
dos seus sonhos.

A eles, os louros da vitória!


TIPOS POPULARES
DE ONTEM E DE HOJE

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nÀ 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

Todas as cidades têm os seus tipos populares. Eram pessoas que não tinham origem, pois não se sabiam de onde vieram e nem para onde iam. Muitos deles, alguns da zona rural, permaneciam perambulando pelas ruas da cidade em busca de esmola e por aqui faziam morada. Quem não se lembra do velho prazenteiro Tuia? Do enfatuado Zé Goela? Do Santo Besta
e da beleza de Bela Doida? Seus nomes verdadeiros nós não os sabemos. Mas, talvez algum dos moradores mais antigos da cidade possa nos dizer isso um dia. É uma empreitada difícil, porém não é impossível. Fica, portanto, a palavra com os eminentes historiadores Wanderlino Arruda e Haroldo Lívio.


‘‘Manoel Quatrocentos’’
(Foto Sérgio Mourão)

Já o play-boy “cortador de lenha”, Manoel Quatrocentos, nós sabemos que ele se chamava Manuel Nunes da Silva. Alalaô era outro tipo popular de Montes Claros de antigamente. Certa vez, o confrade João Valle Maurício o encontrou na Estação da Central e perguntou-lhe: - “Você vai viajar?” – “Vou sim. Vou para Pirapora” – “Por quê?” – “É porque aqui nesta cidade os meninos não respeitam a doidura da gente”.

Na verdade, os tipos populares de outrora faziam a alegria da molecada. Era comum a meninada, de épocas passadas, bulir com os chamados “doidos” da cidade apenas por diversão, sem nunca ofendê-los com violência. Os xingamentos faziam parte da brincadeira. Enquanto o “doido”
xingava os meninos, eles corriam pelas ruas sem calçamento fazendo, propositalmente, poeira com os pés, num divertimento constante. Havia o insulto gratuito, o que não era aceito pelos pais e nem pela sociedade. Mas, nunca havia a maldade dos tempos modernos. O respeito à vida era
preservado, pois o castigo em “casa”, certamente, era coisa certa e temerosa. Em vista disso atos de violência, como aquele que aconteceu em Brasília, quando cinco marginais da alta sociedade atearam fogo no pobre índio Galdino Jesus dos Santos, nunca acontecia.

Infelizmente a Praça da Matriz abriga algumas dezenas de mendigos. São todos eles viciados em drogas e perigosos para a sociedade em que vivemos. Não há respeito entre eles, pois cenas pornográficas são oferecidas à luz do dia, sem nenhum pudor e sem nenhum medo de represália. O mais interessante é que os mendigos sabem de seus direitos, mas nunca sabem eles de seus verdadeiros deveres. Pois bem, infeliz de quem ousar bolir com a temerária gangue que fica diariamente acampada sobre o gramado da Praça da Matriz, promovendo ali espetáculos obscenos e emporcalhando-a com restos de comida e pedaços de velhos jornais, em detrimento da limpeza pública realizada pela municipalidade. Aliás, melhor local para as suas desfaçatezes, certamente que não haveria de ter, pois ali eles recebem da bondosa população montes-clarense muitos alimentos e dinheiro para provir os seus malditos vícios e a droga da impunidade de seus atos de despudor.

É triste, mas é verdade, os tipos populares de outrora não existem mais. Os pedintes de hoje são industriados no crime pelos traficantes de drogas para promoverem assaltos e assassinatos como único objetivo: a aquisição das drogas. Entendemos que há uma necessidade de um projeto social, de interesse relevante do povo, para a recuperação das pessoas neste estado de conduta. Nota-se que, os “loucos” do passado são inócuos para a sociedade, haja vista que as suas causas têm outras origens.


MARCIANO FOGUETEIRO

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nÀ 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

Os que acompanham a trajetória cultural de Montes Claros sabem que a “cidade da arte e da cultura” abriga em seu seio uma lista enorme de nomes que, em prosa e verso, enriqueceram a história sociocultural de nossa terra. Nomes com os de Cândido Canela e Hermes de Paula serão sempre lembrados por todos aqueles que gostam de uma boa leitura. Faço este proêmio para dizer da importância e da saudade que o povo de Montes Claros sente por Marciano Fogueteiro. E quem era o Marciano Fogueteiro? Pois bem. Batizado com o nome de Marciano Geraldo Simões era natural de Montes Claros. Ele nasceu no ano de 1903. Tornou-se um fazedor de foguetes e com isso ganhou fama e uma fortuna invejável.

Chico Pitomba, em versos, conta a vida pregressa de Marciano Fogueteiro: ”Nestes versos de cabloco/ na rima do meu sertão/ nesta vila afinada/ da prima inté no burdão/ eu vou lhes contar a vida/ dumhome bão, prazentêro/ qui tudo o mundo conhece/ Marciano Fogueteiro”. Assim iniciou Chico Pitomba e sua poesia e aos poucos ele vai falando das astúcias de um homem trabalhador, sério e competente nos negócios. Compra uma casinha aqui, outra acolá e em pouco tempo já contabiliza uma belíssima fazenda e muitas cabeças de gado na região nobre de Juramento. Nota-se que, naquela época, a fé em Nossa senhora da Conceição e São José fazia da Igreja da Matriz um reduto de fiéis amantes dos foguetes de rabo de fogueteiro Marciano. Os dias de domingos eram para soltar fogos. E assim Marciano Fogueteiro acumulava fortunas.

Há, porém, outras faces de Marciano Fogueteiro: o garimpo e a poesia. Muitos pensavam que Marciano havia conseguido uma pedra de diamante muito grande e com ela feito fortuna. Não! Não foi isso que aconteceu. Ele não foi muito feliz no garimpo. E a propósito disso ele escreveu esses versos: ”Garimpo é jogo, é incerteza/ ninguém conta com a vitória/ quando se espera diamante/ chega esmeril, vem escória. E o garimpeiro apressado/ transtornando de emoção/ do seu monte, a quarta parte/ quer vender na salvação. Pensa na esposa, nos filhos/ apalpa o bolso sem cobre/ de novo lava o cascalho/ e nada, nada descobre. À virgem Nossa senhora/ recorre já delirante/ por milagre, nesta areia/ joga pra mim um diamante. Com poucas gemas que ache/ transformarei minha sorte/ pagarei Quincas e Geraldo/ Virgilato e o sacerdote. É sempre assim o destino/ do sonhador garimpeiro/ de sol a sol labutando/ em Conceição do Barreiro”.

Entendo que o povo de Montes Claros ainda desconhece da importância de Marciano Fogueteiro para a história cultural da cidade. As Festas de Agosto certamente que retratam, com muita propriedade, o que seria o personagem “Fogueteiro” para as maravilhas das fitas e bandeiras no balanço do vento e o céu carregado de fumaça em razão dos foguetes em explosão. A cada “tiro” uma nesga de sorriso que alimenta as nossas tradições e os nossos costumes. Por outro lado, as festas Juninas – Santo Antônio, São João e São Pedro – há de continuar com o brilho e a alegria de Marciano Fogueteiro. Benza! Deus!


SERTÃO, UM LUGAR DESDOBRADO

Fabiano Lopes de Paula
Cadeira 66
Patrono: Alferes José Lopes de Carvalho

O que é o sertão? Uma pergunta de difícil resposta. Uma pergunta que nos remete a outras tantas questões: O que é lugar?Oque é espaço? Quem ou o quê habita o sertão?Onde fica o sertão?Euclides da Cunha, Graciliano Ramos,Afonso Arinos e Guimarães Rosa, para citar alguns nomes da literatura brasileira, enveredaram-se pelo dito sertão e construíram narrativas sobre esse lugar que sempre nos escapa. Aqui, não pretendemos criar um conceito do que se entende por sertão, aliás, não conseguiríamos chegar a um consenso para o significado desse “lugar”. Sertão? Não há resposta para ele. Pretendemos apenas um exercício sobre alguns olharese o que se percebe do que seja o sertão, espalhar palavras, as quais talvez não sejam nada além de tautologias. Palavras repetidas, palavras que ratificam a presença da diferença. Seguindo os conselhos de Jean de Léry, iniciemos nosso caminho da repetição: “é a viagem bem longa e difícil, por isso quem não tiver bom olho e bom pé ou se sentir temeroso de tropeços, que não se arrisque” (LÉRY, 1980: 121).

A viagem pelos sertões inicia-se nos mares do oceano Atlântico. Durante séculos, o mar foi considerado, por portugueses e espanhóis, como o lugar do desconhecido, o lugar da moradia das mulheres-sereias, dos peixes voadores, dos fantasmas, dos monstros. Mar: imensidão dos impossíveis, imensidão-sertão. Para navegar por essas águas dantes não navegáveis foi preciso romper com as magias que rondavam a imensidão atlântica. A passagem não foi brusca, não se deu no ano de 1440, como diz a história da navegação portuguesa (DELEUZE EGUATTARI, 2002). Foi, sim, de acordo com Pierre Chaunu, um longo processo de estriamento1 do mar. Até o século XV, a navegação portuguesa era feita através de barcas e de barinéis2, embarcações que não suportavam as bravezas do sul do Oceano Atlântico. Foram esses simples meios de transporte marítimo que permitiram a conquista de muitos territórios pelos portugueses, como, por exemplo, Ilha da Madeira, Açores e Canárias. Já no século XVI, com a utilização das caravelas e de instrumentos de localização, como o astrolábio, o quadrante, a balestilha e as tábuas astronômicas, os portugueses conseguiram se embrenhar pelos oceanos Atlântico e Índico.
De mar liso para mar estriado, esse foi o caminho pelo qual as águas mágicas passaram. Da navegação nômade, movida por cores, sons, ventos, direcional, sem pontos demarcados, pré-astronômica, passou-se para a navegação longitudinal e latitudinal, dimensional, com pontos demarcados e mapeada. O Estado português, ao contribuir para o desenvolvimento da ciência da navegação, foi capaz de destrinchar, povoar – com suas embarcações e viagens – e organizar a imensidão do Atlântico.

É como se o mar tivesse sido não apenas o arquétipo de todos os espaços lisos, mas o primeiro desses espaços a sofrer uma estriagem que o tomava progressivamente, e o esquadrinhava aqui ou ali, de um lado, depois do outro.

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1 De acordo com Deleuze e Guattari (2002), o lugar pode ser caracterizado como liso ou estriado.
Este é o lugar do Estado, do ponto, da organização, do extenso, da métrica, da regularização, da sedentarização, do logos, da territorialização. Já aquele é o lugar do irregular, do indeterminado, do trajeto, da linha, da intensidade, da guerra, do nomos, dos afetos, da distância, da desterritorialização. Essas são oposições simples que marcam tais lugares. Todavia, os autores propõem uma leitura mais complexa da relação entre liso e estriado. Segundo eles, os dois lugares podem ser vistos como oposições, como não coincidências ou como misturas. Estas caracterizariam a existência de um alisamento do que foi estriado ou o estriamento do liso, coma convivência contínua das duas categorias; nemestriado, nemliso, mas híbrido. “Os dois espaços só existem de fato graças às misturas entre si: o espaço liso pára de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso” (:180).
2 A barca e o barinel são embarcações a remo que possuemum mastro comvela fixa (Dicionário
Houaiss).

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(...) [O] mar, arquétipo do estado liso, foi também o arquétipo de todas as estriagens do espaço liso: estriagem do deserto, estriagemdo ar. (...) É no mar que pela primeira vez o espaço liso foi domado, e se encontrou um modelo de ordenação, de imposição do estriado, válido para outros lugares
(IDEM, p. 186).

Organizando as águas, dimensionando-as, os portugueses e espanhóis conseguiram chegar à América, um território também liso e, por isso, mágico, exótico, povoado por povos vorazes e coberto por uma natureza a ser dominada. Mas antes de entrarmos nesse sertão, especificamente no sertão chamado Brasil, vejamos como a mitologia dinamizou o processo de colonização do “Novo Mundo”.

O pensamento e ação dos portugueses pelos mares e pelos territórios conquistados/descobertos foi movido por uma mitologia européia pautada no cristianismo católico e protestante (catequização dos gentios), na exuberância da natureza selvagem (monstruosidades do mares e das terras) e na busca de riquezas (ouro).Os indivíduos recriam a história – eventualizam um acontecimento – com base no passado, ou seja, delineiam o contemporâneo através das (re)construções mitológicas, colocando em risco, de acordo com suas posições específicas, os signos culturais1. As pessoas colocam em ação os conceitos culturais e engajam o mundo; os símbolos permitem uma ação na história, permitem tornar algo tremendamente singular (nunca visto antes) em algo familiar – o presente no passado.

Colocar a mitologia em ação foi uma forma encontrada pelos viajantes para a compreensão e estruturação de categorias contingentes, assim como um modo de efetivar o contato com a alteridade. As narrativas de viagem pelos mares e pelas terras do Brasil são permeadas de relatos de aparições de seres exóticos, monstruosos e até não-existentes. Alguns títulos de capítulos de Viagem à terra do Brasil (1980 [1578]), de Jean de Léry, retratam bem esse aspecto:“Dos bonitos, albacores, dourados, golfinhos, peixes-voadores e outros de várias espécies que vimos e apanhamos na zona tórrida”; “Dos animais, veação, lagartos, serpentes e outros animais monstruosos daAmérica”. Os peixes-voadores têm uma existência concreta no olhar de Léry: este, segundo o relato, pode tocá-los, comprovando a idéia de que esses peixes e também outros seres, antes de serem vistos, já existiam na cabeça dele.

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1 Marshall Sahlins chama de mitopráxis o processo de ressemantização, na ação, da estrutura mítica.
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Na iconografia do relato de Léry encontra-se, desde a primeira edição,
de 1578, uma gravura (LÉRY, 1975, p. 235) na qual se distinguem
diversas representações do fantástico, tais como dragões, demônios
atacando os seres humanos e, bem caracterizando as novas terras, um
enorme bicho-preguiça. Até mesmo os peixes voadores assumem
proporções irreais em relação aos demais elementos da cena. Fonte:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-
666X2007000100007&script=sci_arttext


Para os europeus, o novo mundo era povoado por seres fantásticos.
Fonte: http://www.libertaria.pro.br/brasil/capitulo01_index.htm


Baltasar Ferreira mata o Ipupiara, monstro em que os europeus
acreditavam existir no Brasil, em História da Província de Sãcta Cruz a
que vulgarmente chamamos Brasil, do cronista Pero de Magalhães
Gândavo. Fonte: http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/Ipupiara


Viajantes que foram à Amazônia relatam histórias sobre tribo de
índios acéfalos, que tinham olho e boca no peito. Ilustrações Biblioteca
Nacional/Divulgação. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/
864519-lobisomen-e-chupa-cabra-constam-em-relatos-cientificos-sobreo-
brasil-do-seculo-17.shtml.


Gravura do século XVI, feita pelo geógrafo alemão Sebastian Münster,
acerca dos monstros que habitavam o “Mar Tenebroso”. Fonte: http://
cienciashumanasmarianinha.blogspot.com.br/2011/09/expansaomaritima-
e-o-oceano-atlantico.html

 

Mas não é apenas de estranheza que se dinamiza a mitologia acerca da Terra do Brasil – termo muito utilizado por Jean de Léry. É também comum o mito do paraíso americano:
o lugar das delícias, da pureza, da diversidade, da riqueza. Mais uma vez recorremos aos títulos de Léry para enfatizar esse aspecto: “Das árvores, ervas, raízes e frutos deliciosos que a terra do Brasil produz”; “Da variedade de aves, todas diferentes das nossas”.

Outro viajante que enfatiza as riquezas e a pureza do “Novo Mundo” é Pero Vaz de Caminha. Este descreve as cores da natureza exuberante, a diversidade da fauna, assim
como a simplicidade e inocência das índias que andavam nuas por todos os lugares sem nenhuma “vergonha de mostrar suas vergonhas”. Mais do que essas gentes e naturezas, o que de fato interessa ao olhar de Caminha é a riqueza. Em uma carta ao rei de Portugal, o viajante conta um episódio que demarca bem a intensa busca de ouro e pedras preciosas, mostrando tanto aspectos do antigo mito do Eldorado, quanto do caráter pragmático/exploratório da colonização portuguesa.

Viu um deles [índio] umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo. [E continua] Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos (CAMINHA, 1999: 4).

Sérgio Buarque de Holanda (2000) já afirma que os portugueses não foram movidos por um espírito edênico, isto é, não buscaram um paraíso da mesma forma que os espanhóis. Motivados por uma mitologia ainda medieval criavam e recriavam nos territórios, visões maravilhosas, bem como por um pragmatismo pautado na necessidade de catequização dos gentios no cristianismo e na busca de riquezas florestais e naturais, dedomínio total sobre a natureza e nos que nela habitavam. O ideário do maravilhoso, segundo nos relata Sérgio Buarque (2000), esteve presente, com maior força, nas conquistas dos espanhóis, já o pragmático, na colonização dos portugueses.

Os sinais de riqueza perseguidos desde o período medieval, mais do que símbolos mágicos, foram objeto de estratégias de ocupação e dominação por parte dos viajantes e administradores coloniais. De fato, desde o início da colonização da América Latina, o Brasil especificamente calcou-se no desejo edênico ainda de se encontrar as esmeraldas que jorravam de cachoeiras, as madeiras de grande valor e, principalmente, o ouro impulsionou, mesmo que em níveis baixos, a colonização, a qual teve como meta feitorizar, não povoar. Daí a dificuldade do deslocamento do litoral para o interior do Brasil. E se o avanço para o desconhecido se efetivou foi em busca de riquezas fáceis, tal como as encontradas nas praias.

A caminho dos sertões mineiros

A busca pela riqueza decorrente dos metais preciosos é antiga e desde entãobusca-se incessantemente a riqueza destes recursos naturais. Durante quatro séculos, muitos aventureiros1 enveredaram-se pelas matas atrás de prata, ouro e esmeralda. Estes seriam encontrados, em abundância, em três lugares, a saber, Vapabuçu, Sabarabuçu e Serra das Esmeraldas (HOLANDA, 2000), localizados nas regiões dos vales do Rio Doce, Jequitinhonha e Mucuri. (...) Uns índios dos que vivem “junto de hugram rio” tinham chegado a Porto Seguro com a novidade de uma serra situada em seu país, que “resplandece muito” e que, por esse seu resplendor, era chamada “sol da terra”. Além de resplandecente era a serra de cor amarelada e despejava ao rio pedras dessa mesma cor, que se conheciam pelo nome de “pedaços de ouro”. Tamanha era sua quantidade que osíndios, quando iam à guerra, apanhavam os ditos pedaços para fazer gamelas, em que davam aos porcos de comer (IDEM, p. 45).

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1 O aventureiro é aquele que visa descobrir e explorar riquezas sem muito desgaste; aquele que não busca um fim último, quer apenas um lucro instantâneo. No Brasil, o espírito de aventura dos portugueses levou à utilização de métodos rudimentares, ruins e danosos na agricultura e na mineração. Bons métodos exigiriam especialização e sistematização, exigiriam trabalhadores, não aventureiros (HOLANDA, 1995).
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Para chegar a esses locais utópicos, os portugueses criaram diferentes estratégias durante a colonização, como, por exemplo, as Entradas. Estas visavam explorar territórios, descobrir riquezas minerais, capturar e dominar indígenas etc. Diferentemente das bandeiras, as entradas não eram feitas por iniciativas particulares, eram, sim, um empreendimento da Coroa Portuguesa. A primeira Entrada (1554), sob o comando de Francisco Bruza de Espinosa e efetivada no governo de Tomé de Souza, teve como principal objetivo a descoberta da “montanha resplandecente”, porém não
conseguiu alcançar esse resultado. Apesar de não encontrar as riquezas tão desejadas, tal entrada deu aos portugueses uma maior quantidade de informações sobre os indígenas e sobre as características geológicas e naturais do terreno (ESPINDOLA, 2005: 35).

A Coroa Portuguesa investiu maciçamente na conquista dos sertões durante os séculos XVI e XVII. Foram mais de cem anos de fracassos nas investidas2: muitas mortes, doenças, fome. Todavia, nos últimos anos do século XVII, ao passar o projeto de descobrir riquezas em Minas para Fernão Dias Paes, os sinais de fortuna concretizaramse: Paes, mesmo não encontrando a Serra das Esmeraldas, descobriu diamantes no vale do Jequitinhonha e ouro na região do vale do Rio Doce (IDEM, p. 40). Iniciou-se, assim, o chamado ciclo de exploração aurífera nas Minas Gerais.

Durante praticamente todo o século XVIII, o território aurífero foi protegido por restrições de acesso: proibi-ram-se navegações nos rios que desciam para o litoral, bem como a entrada em territórios que davam acesso a eles (região leste/nordeste de Minas – vales do Rio Doce, Mucuri
e Jequitinhonha); impuseram o uso da estrada que ia de Vila Rica para o Rio de Janeiro (Caminho Novo de Garcia Rodrigues Paes), ficando proibidos, a partir de 1733, o tráfego por outros caminhos. Além dessas restrições, os portugueses também pensaram em estratégias de ocupação e domínio dos indígenas agressivos: criaram presídios3, reduções indígenas, aldeamentos, demarcaram terras, forneceram ferramentas para a produção agrícola e enviaram vigários paroquiais para o trabalho da fé – em outras palavras, os portugueses estriaram o território que antes era liso.

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1 Espindola (2005) apresenta um resumo das principais entradas que se efetivaram durante os séculos 16 e 17: 1554, entrada comanda por Francisco Bruza Espinosa; 1567, comandada por Martins Carvalho; 1573, comandada por Fernandes Tourinho; 1574, comandada por Fernandes Dias Adorno; 1592, comandada por Gabriel Soares de Souza; (...) 1612, comandada por Marcos de Azeredo; 1634, comandada pelo padre Inácio de Siqueira; 1646, comandada por Domingos e Antonio de Azeredo; dentre tantas outras (pp. 33-40). Para uma história das entradas em Minas Gerais: MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do Brasil Colonial. 4. Ed. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1978.
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A mineração possibilitou a ocupação da parte oeste da bacia do Rio Doce. Ocuparam-se também regiões do Jequitinhonha e do Pomba. Contudo,umlongo território permaneceu estrategicamente “inabitado”: os “sertões do leste”, as “áreas proibidas” ou “sertões do Rio Doce e Mucuri”.
As estratégias político-administrativas da Coroa exacerbaram o caráter de sertão do leste de Minas: se antes existia somente um mito sobre o sertão e seus perigos (simbólico e não localizado geograficamente), a administração portuguesa, ao tomar parte desses mitos e ao criar restrições de acesso a esse lugar, foi capaz de forjar um espaço de localização para o sertão (MÄDER, 1995).

A referência ao sertão como lugar distante ou longe do litoral, ou no interior, não está relacionada a realidades geográficas, mas a uma centralidade política; a maior ou menor presença, controle ou proximidade do aparato administrativo, jurídico, militar e eclesiástico (ESPINDOLA, 2005, p. 76) Impedindo o extravio de ouro, os portugueses fixaram, concomitantemente, um lugar do e para o estranho, um lugar para o nomadismo, um lugar propício para moradia dos indígenas que não aceitavam as prerrogativas do colonialismo. De fato, fugindo do contato, diversos índios, dentre eles os Botocudos, foram habitar nas selvas dos vales do Jequitinhonha, Mucuri e Doce.
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1 “Presídio era a unidade militar composta por uma guarnição de soldados pedestres. Era um lugar de degredo e, por esse meio, garantiam-se os elementos que poderiam ajudar na luta contra os grupos indígenas, ao mesmo tempo em que a floresta e o medo dos índios impediam as fugas” (ESPINDOLA, 2005: 51).
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Mas o período mineratório entrou em colapso em meados do século XVIII. Para ultrapassar a crise era preciso dinamizar a economia, desvelar novas minas de ouro, cultivar novos produtos – como o café –, explorar territórios antes deixados de lado, diminuir os gastos de transporte de mercadorias para a região mineradora e, além disso, expandir os trabalhos ligados à área manufatureira (IDEM, p. 47-53). Tais incentivos/estratégias eram reflexo do governo ativo e expansivo de Pombal.

Como efetivar essas mudanças? A solução encontrada foi devassar o sertão criado estrategicamente pela Coroa Portuguesa. Um único caminho de passagem e de exploração já não era mais suficiente, ou melhor, era um impedimento para o aumento dos lucros advindos da exploração aurífera. O ato de avançar para o desconhecido, um exótico estratégico e simbolicamente inventado, tornou-se mais uma vez necessário. Assim, no final do século 18, o rio Doce foi visto como a alternativa mais viável para a abertura de um canal fluvial que colocasse a economia mineira em contato com o mercado mundial (IDEM, p. 50).

Garantir a fronteira; povoar as áreas consideradas estratégicas de modo que elas se defendessem por si mesmas; fazer uso proveitoso das minas e riquezas que pudessem ser descobertas nos sertões; fertilizar os campos com a agricultura; estabelecer diferentes fábricas; abrir novos caminhos (IDEM, p. 47).

Enfim, como estratégia de atendimento às recomendações de Pombal seria a a construção de uma estrada passando pelo sertão, isto porque, com ela, as terras bárbaras poderiam ser povoadas – o que incentivaria conjuntamente a agricultura e a exploração de ouro – e as transações mercantis seriam agilizadas. Nem todas, essas orientações puderam ser levadas a cabo no século XVIII, servindo somente de estímulo para a conquista de novos espaços. Elas foram importantes para que se aumentassem o número de quartéis e aldeamentos nos sertões, além de possibilitarem uma diversificação da incipiente economia mercantil mineira.


BIBLIOGRAFIA

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Ágora, Vitória, n.4, 2006, p. 1-33. Acessado pelo seguinte site: http://
www.ufes.br/ppghis/agora.



O RESGATE DA ESTATUÁRIA SACRA
DOMICILIAR DE MONTES CLAROS

Felicidade Patrocínio de Oliveira
Cadeira nÀ 20
Patrono: Camilo Prates

A arte, a devoção e os valores que um dia alimentaram o espírito dos meus antepassados transferiram-se para mim de maneira natural como num processo de extensão do DNA e ainda persistem em meu ser, apesar das velozes e contínuas mudanças das sociedades nestes dois últimos séculos. Atribuo esta permanência paralela à absorção do novo, a uma força que nos foi passada de maneira sublime no recesso amoroso do berço por uma geração cuja forma social fazia do núcleo familiar a fonte da formação ética e da passagem dos mitos e ritos de uma ancestralidade que ao originar uma cultura e um modo de ser e fazer, nos marcou com o selo de uma identidade.

Mais do que orgulho, sinto felicidade por tudo isto, mas percebo que este privilégio trouxe-me também obrigações. Reflito então que se eu não puder oferecer em retribuição algo de novo e que seja bomà vida dos que virão depois de mim, devo obrigar-me pelo menos a preservar e transferir o que de bomme foi oferecido. E isto vale para os valores da consciência, para os bens culturais imateriais e materiais.

Foi assim pensando que ao descobrir uma estatuária sacra domiciliar em muitas residências de Montes Claros, com expressivo valor artístico, histórico e devocional em processo de desaparecimento e sem nenhum registro, decidi mover uma ação que de alguma forma salvasse o que ainda existe e levasse aos atuais e futuros conterrâneos o conhecimento desse bem que aqui existiu desde tempos imemoriais e que foi por motivos diversos, conservado.

Foi após algumas visitas a uma parte significativa desse tesouro advindo de outrora, que me vi motivada a registrar, através de fotos num catálogo ilustrado e descritivo e através das imagens de CD ROM e transmitir, através de texto bem elaborado, a reflexão do fenômeno dessa permanência como uma resistência da memória coletiva desse povo. A presença persistente e silenciosa dessas imagens antigas que sobreviveram em meio à profusão de objetos modernos e que começou a ser descartada e substituída por objetos sem valor identificatório, reclama
atenção e cuidado, já que para além de bens de posse privada e por se tratar de um patrimônio de Arte e Memória, pertence à toda a sociedade. O desaparecimento desses elementos, através do desenfreado consumismo midiático ou da solapagem de atravessadores capitalistas com
vistas ao lucro fácil, está a nos indicar a necessidade e urgência quanto ao conhecimento, registro e preservação desse material, mesmo que para isto tenhamos de recorrer às novas linguagens oferecidas pela tecnologia, como é o caso do catálogo fotográfico e registro em CD ROM dessa imaginária, que pretendemos produzir.

Percebe-se que o homem, como tal, inexiste sem MEMÓRIA, daí a importância de se pesquisar e revalorizar aquelas representações que pertenceram ao imaginário comum dos grupos que nos antecederam e que nos foram transmitidos de maneira linear e afetiva na sucessão de gerações.

Essa estatuária que pretendo registrar, já constatei, é mais rica do que aquela das igrejas locais que foram esvaziadas destes ícones na repercussão do Concilio Vaticano II. É grande a minha intuição de que essa presença, à primeira vista com função decorativa, sinaliza uma resistência de um povo forte, que convive dialeticamente com a Indústria Cultural paralelo as suas tradições artísticas autênticas, sofrendo a influência da primeira, no entanto resistindo através de uma efetiva conservação e participação nas manifestações da cultura genuína.

No Brasil, a religião católica tem sido o grande espaço para as pesquisas do patrimônio histórico. Sabe-se que desde os primeiros séculos de colonização, além da catequese exercida pelos jesuítas que se utilizaram da arte para passar os dogmas, o culto das imagens foi transladado de Portugal para o Brasil, estabelecendo-se um catolicismo “à brasileira”, devido aos diferentes significados que os santos aqui recebiam. Conserva-se, pois, ainda no Brasil, um grande número de imagens de santos - executadas a partir do século XVI, sendo muitas delas importadas de Portugal, mas a maioria executada aqui mesmo e principalmente em Minas Gerais, estado que exibe exuberância e magnificência numa produção sacra regional, com características próprias. Montes Claros estava na rota que abastecia a mineração em Diamantina. Por aqui passou o historiador da arte Saint Hillaire. Por aqui passavam os tropeiros e mineradores subindo de São Paulo ou descendo da Bahia em busca da rota da mineração. Esses viajantes carregavam nos seus alforjes os santos das suas devoções.. Estes bens, testemunhos de outros tempos são objetos que transcendem o seu valor coisal; são relíquias que sugerem significados e importância religiosa e cultural. Necessário se faz o resgate e a sua reinserção nos espaços da cultura.

Ancorada na pessoa juridica do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, e apoiada pelo seu atual presidente, o escritor Itamaury Teles, proponho esta investigação através de projeto elaborado e encaminhado ao Programa Petrobras Cultural Edição/2012. É necessário verba para o levantamento, a organização e o registro deste acervo. O projeto priorizará a catalogação, análise e história das esculturas sacras antigas, que aqui aportaram em outros tempos e que foram passadas aos contemporâneos pelos seus familiares ou por outros que aqui chegaram.

Problematizamos essa presença imutável, silenciosa e permanente em meio a profusão de objetos modernos, ocasionalmente substituídos, em inúmeras residências onde colheremos imagens e informações. Defendemos que, o que à primeira vista sugere uma função estética, na realidade sinaliza a força e resistência da memória coletiva de um povo voltado para as manifestações da arte e da cultura. E antes que a modernidade caracterizada pela descartabilidade solape com suas garras vorazes o que restou desses bens culturais, nos propomos a uma imediata ação em favor de sua preservação.

Outros fatores que justificam este projeto é que Montes Claros, cognominada “cidade da arte e da cultura”, destaca-se no cenário nacional pela riqueza e diversidade de suas manifestações artísticas; pela tendência do seu povo à devoção católica praticante (haja vista os movimentos católicos, leigos, a quantidade de seminários e casas de apostolado); é o segundo entroncamento rodoviário do País; é um pólo universitário de expressão no contexto nacional, sedia o maior Conservatório de Música do Brasil; tem um folclore vivo e contagiante. Isso tudo numa área de 4.135 km2, com uma população estimada em torno de 400.000 habitantes, ocupando lugar de destaque no ranking das maiores cidades mineiras, distando 410 km da capital, contando com mais de 10 emissoras de rádio, dispondo de 3 emissoras de TV com geração de sinais locais, 3 jornais diários com circulação em todo o norte de Minas, grande complexo industrial, inclusive comempresas multinacionais, aeroporto capacitado para receber qualquer tipo de aeronave, rede hoteleira consolidada, boa infraestrutura urbana, berço de talentos que se projetam pelo País, sustentando o título de “Cidade da arte e da cultura’ e, no entanto, ainda não possui museus históricos ou de arte nem de espécie alguma. Este projeto visa pois, em um primeiro momento, um registro daqueles ícones da devoção que os tempos modernos substituíram pela televisão e outros eletrônicos. Inclui pesquisa de campo e bibliográfica, catalogação e documentação descritiva, fotografias de um acervo selecionado com texto reflexivo e culmina com uma exposição de material selecionado que motivará, por acréscimo, a criação do MUSEU DE ARTE SACRA DE MONTES CLAROS.

O trabalho incluirá pesquisa de campo e bibliográfica. Levará a um contato com a igreja que facilitará o acesso aos “santos” dos paroquianos, contará com o trabalho de equipes de universitários de áreas afins e com o PROGRAMA PETROBRAS CULTURAL EDIÇÃO 2012, instituição esta a qual recorremos para o patrocinio necessário. E é na decisão deste programa de incentivo à Cultura da Petrobras que depositamos a nossa confiança. É nesse incentivo que reside a possibilidade deste resgate, pois no que se refere ao material humano agenciador, colocamos à disposição o nosso trabalho.



AMELINHA: FESTA NA MISSA
DE RESSURREIÇÃO

Felicidade Patrocínio de Oliveira
Cadeira nÀ 20
Patrono: Camilo Prates

Eu a conhecia à distância, nossa aproximação se deu pela mútua participação na Academia Feminina de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

Chamou-me a atenção a sua personalidade exuberante, as suas vestes e ornamentos vistosos, a alegria incontida e a sua autenticidade. Desde o inicio fizeram-se aparentes as nossas afinidades, destacando entre todas, o gosto pela cultura e a alegria de viver.

Naquele, pouco mais de metro e meio de pessoa, latejava um coração de menina, de adolescente ardorosa e ao mesmo tempo de uma mulher vigorosa que adquirira, ou sempre possuíra a sabedoria do bem viver. Pouco sei da vida de Amélia Prates Souto, mas sei que foi por um bom tempo, diretora e educadora em uma das mais importantes escolas fundamentais da cidade, o Grupo Escolar Gonçalves Chaves. Sei também, que era viúva, genitora e progenitora de uma extensa e fértil descendência, com filhos e netos espalhados pelo Brasil e até Europa. No entanto, o primordial sobre si mesma, ela oferecia desde o primeiro contato, no acolhimento e na alegria. No seu abraço largo, cabiam todos, sem discriminação de raça, cor, credo e preferências, era o seu sorriso um convite à amizade.

Vaidosa, gostava da cor e se vestia de maneira jovem. Braceletes nos braços, colares e brincos que variavam conforme a ocasião. Gostava de escrever. Tive o prazer de conhecer muitos dos seus artigos publicados em jornais da cidade retratando uma Montes Claros antiga e bucólica.

Ausente da cidade no dia do seu repentino falecimento, ao retornar, eu fiquei chocada com a notícia. Não tendo podido acompanhar o seu sepultamento, no sábado compareci a sua missa de ressurreição na capela do asilo de São Vicente de Paula.

Fiquei impressionada com tudo que vi. Pessoas em quantidade lotavam o recinto, amontoavam-se pelos cantos das paredes, nas portas e janelas, tentando encontrar espaço espremiam o padre num diminuto canto do altar. Todos queriam fazer-lhe uma última homenagem. Música no ar, luzes, cantoria, leituras emocionadas de belos textos sobre sua pessoa e vida, destacando-se o artigo de Yedde Zuba, que a retratou fielmente.

Tocada pela beleza do momento retirei os olhos do pároco oficiante e percorri com muita atenção todo o ambiente. Lá estavam parentes, amigos, autoridades, religiosos, a cultura da cidade. As pessoas estavam todas bem arrumadas, até mesmo, elegantes. Aos meus olhos, era uma festa, mais do que isto, uma linda festa e não poderia ser diferente em se tratando de Amelinha. Quem viveu intensamente como ela, quem foi ao mesmo tempo a Marta e a Maria, figuras bíblicas evocadas no evangelho da sua missa, só poderia mesmo festejar esta passagem como uma mudança de vida. É que Amélia, além de ter escolhido viver com alegria, acreditava na ressurreição, pois tinha já se tornado ministra da eucaristia.

Por tudo isto, profundamente emocionada, fiquei a imaginá-la no último instante, a olhar para o alto e a dizer como o grande poeta Bandeira.......

“O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.”
Sua presença valeu Amélia. Muito obrigada.

*Artista plástica, membro da Associação dos Artistas Plásticos de M.Claros, da Academia Feminina de Letras, e do Inst. Hist. Geográfico de Montes Claros.



IMORTAL MARIA DE LOURDES OLIVEIRA
PINHEIRO, PATRONA DA CADEIRA Nº 8,
DA ACADEMIA FEMININA DE LETRAS
DE MONTES CLAROS

Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira nÀ 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho

A ACADEMIA FEMININA DE LETRAS DE MONTES CLAROS, formada com o intuito de reunir, destacar e homenagear mulheres montes-clarenses, resultou de um desejo acalentado no coração de uma dentre as grandes mulheres destas terra, cujo nome é por todos reverenciado e conhecido: Yvonne Silveira.

Postou-se à frente e pouco a pouco eram muitas as mulheres reunidas que abraçavam o seu sonho e juntas o tornavam realidade.

E como é próprio das Academias de Letras, foram selecionados entre tantos e tantos nomes dignos de tal honraria, quarenta nomes de mulheres que se destacaram nos diversos setores da vida de Montes Claros e também somaram esforços na construção da grande metrópole que se tornou. Essas mulheres têm os seus nomes com toda honra estabelecidos em Cadeiras de Imortais.

Inicia-se dai um movimento por onde passarão e também deixarão gravados seus nomes aquelas que nas Letras ou nas Artes, de diferentes formas contribuirão para honrar suas Patronas ou Antecessoras,dinamizando e dando continuidade ao engrandecimento cultural de Montes Claros.

Tive a honra de ser convidada para unir-me a estas mulheres e sonhar juntas o sonho de criar a Academia Feminina de Letras. Hoje é uma maravilhosa realidade que vem se fazendo conhecer dia a dia abrilhantando e dinamizando o cenário cultural de nossa cidade.

Coube-me a distinção da Cadeira nº 8, cuja Patrona é Maria de Lourdes Oliveira Pinheiro – Dona Taúde. Nesta oportunidade ressalto a grande mulher que foi relembrando e deixando registrados aqui traços e momentos de sua pessoa e vida entre nós.

Tinha uma irmã gêmea de nome Maria Ilza Oliveira que se tornou religiosa da Congregação do Sagrado Coração de Maria com o nome de Irmã Ilza, a quem carinhosamente chamavam de Mainha, falecida em. 26/05/2001.


MARIA DE LOURDES OLIVEIRA
PINHEIRO era seu nome, mas
todos a chamavam de Dona Taúde.
Filha da mestra Augusta Aurora de
Andrade e do comerciante João
Nobre de Oliveira, nasceu em16 de
outubro de 1907.

Casou-se com o português Custódio Rodrigues Pinheiro. Filhos não tiveram. Adotaram uma menina a quem deram o nome de Maria de Fátima, que veio a casar-se com Tarcisio de Sena Almeida e tiveram 5 filhos. Também com eles esteve o Roberto de quem cuidaram e educaram.
Assim era constituído o seu núcleo familiar.

Começou seus estudos em Montes Claros continuando-os, como aluna interna, no Colégio Sacre Coeur de Marie, em Belo Horizonte. Contava que a primeira viagem que fizeram com destino a BH, para estudar, foi bastante agitada. Até Bocaiúva a viagem foi feita a cavalo. A distância era tamanha e chovia tanto que tiveram de dormir onde os tropeiros
pernoitavam.

A vida estudantil tinha sua graça, apesar de longe de casa e fechada em um internato. Apreciava brincadeiras como a de passar pela sua irmã gêmea, enganando a muitos e dando boas risadas. Gostava de ser irreverente. No internato, na hora do banho, estava sempre a quebrar as regras deixando de usar a habitual camisola para se banhar, conforme costume da época.

Quando jovem gostava de música, dança, namorados e do piano; Como professora iniciou sua atividade profissional no Grupo Escolar Gonçalves Chaves. Foi também Professora de Geografia, no ginásio Diocesano Monsenhor Gustavo. Na Escola Normal “Prof. Plínio Ribeiro” foi professora de Desenho e secretária, no período que D. Dulce Sarmento foi Diretora.

Anos adiante assumiu a direção da Escola Normal marcando com brilhantismo sua presença naquele educandário.

A vida profissional não a impediu de ser a fiel escudeira do marido. Mulher de visão alinhou-se com ele em muitos projetos. Dentre eles a “Alfaiataria Montes Claros” onde ela fazia os desenhos e ele executava. Depois partiram para o que na época chamavam de “bar”. Entrou numa roda-viva de trabalhar na escola e a noite (madrugada) fazer os bolos, cremes e doces para no dia seguinte colocar no bar. Gerou um stress de tal ordem que teve de se tratar em Belo Horizonte.

Já recuperada, mais uma vez se empenharam num grande projeto: o do “Hotel Santa Cruz”. Por lá passaram incontáveis pessoas que marcarampresença e hoje são parte da história de Montes Claros. Vários foram os hóspedes que se tornaram grandes amigos e a muitos deles ajudaram a formar na vida.

Em1963, Dona Taúde aposentou-se na função de educadora e o Sr. Pinheiro aposentou-se pelo Instituto Nacional de Previdência Social - INPS (atual INSS). A partir de então passaram a curtir a companhia um do outro até a morte dele, em Março de 1991. Movida pela paixão e saudades Dona Taúde o seguiu trinta dias depois. Era o dia 11 de abril de 1991, quando ela veio a falecer aos 93 anos.

Conta, sua neta Christiana, que ela era um pessoa muito extrovertida. E que se lembra das vezes que, chegando de um velório, descrevia horrorizada a falta de respeito, as conversas impróprias e, como costumava dizer, as trocas de receitas que lá aconteciam. E de como era divertido vê-la descrever com detalhes como queria o seu velório! Rosas vermelhas, nem pensar. O mais importante e que não poderia ser esquecido, era o som ambiente. E o seu desejo foi atendido.

Dona Taúde possuía convicções próprias, avançadas, apesar de uma certa idade. Convicções até hoje bem atuais como: “marido numero um é o emprego”, “toda mulher deve ter uma profissão”!

Participou do Grupo Lisieux. Pontualmente ia às reuniões e tinha prazer no trabalho que executava com as companheiras. Gostava de usar vocabulário francês em cumprimentos e outras situações. Como boa esposa integrou e acompanhou o marido nas reuniões e atividades do Elos
Clube de Montes Claros. Amante incondicional de cocacola, ela tinha esse refrigerante como parâmetro da qualidade das festas. Seus netos costumavam dizer que para ela coca-cola era um Santo Remédio.

Quando chegou num mais avançado da idade, sempre que fazia alguma atrapalhada logo ia contar para eles e isso era motivo de graça para todos. Teve a alegria de conhecer as bisnetas Rhuanna, Jordanna, Lorenna e Flávia. Como avó era daquelas que sempre tinha um troco ou um doce para os netos.

Christiana lembrou, também, de uma situação que sempre foi motivo de boas gargalhadas, era o fato dela ADORAR!!!, literalmente, o genro Tarcísio. Era mais um filho do que um genro. E os netos, já crescidos, “caiam na pele dela” por isso.

Como um merecido reconhecimento e homenagem da comunidade montes-clarense pela sua vida e trabalho, uma escola estadual na cidade recebeu o seu nome: “Professora Maria de Lourdes Oliveira Pinheiro”.

Ter Dona Taúde como Patrona é, para mim, motivo de grande orgulho. Pelo ser humano que conheci, pela montes-clarense que foi, por sua relevante participação no campo da Educação faço aqui minha homenagem a esta grande mulher. E tenho a oportunidade única e feliz de poder homenagear ao mesmo tempo, por extensão, ao meu irmão Tarcísio, minha cunhada Fátima e os meus sobrinhos: Leonardo, Ilza, Christiana, Ricardo (afilhado querido, já falecido) e Bernardo, juntamente com suas famílias constituídas!


Dona Taúde, e seu esposo Senhor Custódio Pinheiro


1º DE FEVEREIRO DE 1953

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira nÀ 82
Patrono: Nelson Viana

Nada de especial para a História do Brasil, trata-se de uma data íntima transcorrida há exatamente sessenta anos. Parece que foi num domingo e parece que foi ontem. Nada como o tempo para passar, segundo Vinícius. Recordo-me do embarque, na jardineira de “seu” Chiquinho Ramos, pilotada por seu filho Walter Zorro, que usava um chapéu de cangaceiro e era assessorado pelo trocador Pedrito Andrade. Saímos ao meio-dia das Contendas (atual Brasília de Minas) e chegamos a Montes Claros já com as luzes acesas, muito contentes por termos feito ótima viagem. Particularmente, tinha minhas razões especiais de estar feliz, pois tinha sido presenteado, ao embarcar, com dez notas de cem cruzeiros, oferecidas, gentilmente, pelo coronel Francisquinho Antunes, amigo de meu Pai e meu também. Cheguei abonado para dar início à busca por um lugar ao sol, numa terra rica de oportunidades e perspectivas positivas.

Tinha quatorze anos de idade, boa saúde, vontade de aprender e subir na vida, começando pela matrícula no curso ginasial, o que já era um passo muito largo, no caminho de flores e espinhos que sabia resumir a luta pela vida. Era mais um migrante a engrossar a população desta cidade hospitaleira, que já andava pela casa dos trinta mil habitantes. Hospedei-me na Pensão Madureira, na Rua Dr. Santos, 19, onde já morava o mano Fernando. Na primeira noite, depois do jantar, saímos saciando minha curiosidade de neomontesclarense, já que estivera aqui, rapidamente, aos onze anos.

O edifício mais alto era a catedral, deslumbrante aos meus olhos adolescentes. Havia ainda os prédios do Hotel Santa Cruz, do Edifício Pedro Montes Claros, em frente ao Clube Montes Claros, todos de três pavimentos. As ruas de Baixo ostentavam orgulhosos sobrados, onde moravam as famílias mais antigas. Causaram-me agradável impressão as bem decoradas vitrinas das lojas, coisa de cidade grande. Loja Americana, Casa Ramos, Casa Alves, A Imperial, que realçavam o encantamento das ruas movimentadas pelo vaivém. Era o “footing” da Rua 15 fervilhando de beleza e mocidade. Eram o Big Bar, o Minas Bar, o Bar Soberano, de clientela fina e elegante. Era o Restaurante Valério, de cozinha internacional. Montes Claros já tinha linha aérea. Mesmo assim era pequena (e feliz). Havia apenas um juiz de direito, um promotor de justiça, um delegado de polícia e o destacamento policial. Compare estes dados com os números apresentados sessenta anos depois. Montes Claros é mesmo o coração robusto do sertão, não resta a menor dúvida. Recordo-me, com nitidez, de que os nomes mais citados, nas conversas de rua, eram os do prefeito capitão Enéas Mineiro de Souza,paraibano, do bispo diocesanoDomLuiz Victor Sartori, gaúcho de Santa Maria, e do gerente do Banco do Brasil, o baiano Francisco Barbosa Cursino. Montes Claros sempre foi uma cidade cosmopolita, com gente do mundo inteiro, sendo esta uma das razões de seu crescimento gigantesco. Aqui encontrei, em 1953, a imprensa de então, composta do novíssimo O Jornal de Montes Claros, do jovem Dr. Oswaldo Antunes; da antiga Gazeta do Norte, do cavalheiresco Jair Oliveira; e da Rádio Sociedade Norte de Minas ZYD-7, vivendo sua idade de ouro de Mané Juca e Chico Pitomba, mais Gregório Barrios, Orlando Silva, Dalva de Oliveira e outras estrelas. Todavia, não encontrei os escritores Luís Carlos Novaes e Raquel Mendonça, que nasceriam meses depois da chegada deste migrante.


MONTES CLAROS CRIANÇA EM 1953

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira nÀ 82
Patrono: Nelson Viana

Esta crônica é só para registrar lembranças que não couberam na outra em que contei minha chegada nesta cidade, há sessenta anos passados. Não falei do mercado municipal, onde pulsava o coração da pequena metrópole sertaneja. Era ali, por perto dele, que aconteciam os fatos mais importantes do cotidiano. Negócios, comícios, mortes, prisões. Quem fosse ao mercado voltava para casa sempre trazendo novidades. Seu relógio marcava as horas e era ouvido longe, porque não havia o barulho do trânsito nem prédios altos impedindo a propagação do som. Já que falei de trânsito, antes que me esqueça, quero lembrar que a cidade contava com apenas um guarda de trânsito, o inspetor Pimentel, do DET, que ficava na esquina de Dr. Santos com a Praça Dr. Carlos Versiani orientando o fluxo de veículos. Nesse caso, o guarda podia chamar o condutor do carro pelo nome, uma vez que havia poucos carros. Possuir um carro era luxo permitido a milionários, como o capitão Enéas, Osmane Barbosa, João Athayde, Oldemar Santos, mais alguns outros pecuaristas e industriais. O jovem cirurgião Konstantin Christoff e outro rapaz, Bolivar Silveira, tinham carro conversível. Nem o gerente do Banco do Brasil tinha carro, e seus funcionários iam para o trabalho de bicicleta. Diferentemente de hoje, era um tempo romântico e saudável...

Já que falei em romantismo, quero evocar o Montes Claros Tênis Clube, ou seja a Praça de Esportes, que era asala de visitas da cidade. Toda a beleza e suavidade de nossa urbes se resumia neste logradouro de ar puro, paisagem verde e céu azul de anil. Quem não fosse sócio da praça,
estaria fora da história e da geografia da cidade. Era um pedaço do paraíso transportado para cá e plantado na várzea, um jardim de delícias da juventude.

Mas a cidade era bem menor. Ainda não existiam bairros como o Todos os Santos, Jardim são Luis, Melo, Major Prates, Delfino Magalhães, Planalto. O São José estava sendo medido para loteamento. A Vila Guilhermina estava
recebendo as primeiras moradias. Lembre-se que a Avenida Coronel Prates terminava em frente à Santa Casa e era limite do perímetro urbano. A cidade, realmente, explodiu e multiplicou-se, como fogos de artifício, clareando e abrindo novos caminhos.

Funcionavam, aqui, três bons cinemas: o São Luís, o Coronel Ribeiro e o Ypiranga. Os filmes de maior sucesso, em 1953, formando extensas filas, foram O Cangaceiro, nacional, e Sansão e Dalila, de Cecil B. de Mile, com Victor Mature e Susan Hayward. O antigo Cine Montes Claros estava fechado para reformas e no local funcionava a churrascaria do gigante Leon Soltz, que era gaúcho e não estrangeiro. Os tipos populares, muito encontrados nas ruas, eram o pintor louco Alá-laô, que tocava violão, cantava e trabalhava nos raros momentos de lucidez; Juscelino, um doido calado que veio de Bocaiúva; Geraldo Tatu, no início de sua carreira, totalmente inofensivo; uma garota da vida fácil chamada (impiedosamente) de Chimbica, que poderia ser uma doente mental; outros menos expostos, e finalmente Mané Quatrocento, que era trabalhador e artista, apresentando-seemprogramas de auditório da ZYD-7 como cantor e galã. Montes Claros montesclareava e tinha de tudo um pouco.


VELHA FOTOGRAFIA

Itamaury Teles de Oliveira
Cadeira nÀ 84
Patrono: Newton Prates

Uma velha fotografia vem causando em mim, nosúltimos meses, certo fascínio. Retrata uma Montes Claros varrida do mapa para sempre, pois todas as edificações que nela aparecem foram derrubadas, em nome do progresso...

Em plano destacado, à esquerda, o antigo mercado municipal, inaugurado em 3 de setembro de 1899, no apagar das luzes do século 19. Nove enormes portas permitem o fluxo de pessoas, no vaivém das compras semanais. Em duas delas, toldos de lona impedem a entrada do sol da tarde. Encimando as cinco portas centrais, cinco janelas redondas, para iluminar e ventilar o interior da casa de comércio. A torre altaneira, de madeira, exibe o grande relógio, que regula o tempo da pequena cidade.

No centro da foto, vê-se a atual Rua Dr. Santos – que, então, denominava-se Rua Bocaiúva – com seu casario baixo, em que se sobressai um arremedo de sobrado, à esquerda. No lado direito da rua, uma vetusta construção senhorial, com janelas que lembram as ventanas das catedrais.

Na metade da foto, para baixo, vê-se uma profusão de animais selados e senhores usando chapéus e ternos de brim. No meio da rua, calçamento poliédrico rudimentar.

Esta foto pertence ao acervo da historiadora bocaiuvense Bim Brandão, e foi gentilmente cedida a mim para figurar na capa da nona edição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Estava um pouco estragada, mas foi devidamente recuperada pelas mãos há-beis da designer Jamille Lessa.

Doravante, essa publicação doIHGMCestampará nas suas capas fotos de edificações importantes da cidade, que deveriam ter sido tombadas pelo Patrimônio Histórico mas que, infelizmente, foram derrubadas pelo homem.

O que nos chamou mais a atenção na referida fotografia foi o ângulo escolhido. As fotos do antigo mercado de Montes Claros têma característica de serem tiradas sempre de frente. Esta, ao contrário, a tomada feita pelo excelente fotógrafo desconhecido traz a velha construção vista lateralmente, de modo a contemplar a então Rua Bocaiúva - que também já se chamou Bonfim...

Outro detalhe que nos aguça a curiosidade, como historiador: qual a data da fotografia?

Bem, como não há essa informação disponível, procurei verificar detalhes passíveis de revelar a idade da foto. O primeiro, e mais significativo detalhe, foi a existência, no lado direito da Rua Bocaiúva, de dois postes de iluminação pública. Por esse detalhe, pode-se afirmar que a foto é posterior ao dia 20 de janeiro de 1917, pois a luz elétrica foi inaugurada nesse dia, proveniente da cachoeira do Cedro, em usina idealizada e posta em execução pelo industrial Francisco Ribeiro dos Santos - conhecido por Cel. Ribeiro.

Arrisco ainda outro palpite para estimar uma data máxima para a bela imagem da Montes Claros de antigamente. A inexistência de veículo na fotografia é outro aspecto digno de nota. Por isso mesmo, a referida fotografia deve ser, no máximo, de 1920. Explico: segundo o historiador Hermes de Paula, o primeiro caminhão chegou a Montes Claros no dia dez de novembro de 1920. Um mês depois da chegada do primeiro “bicho caminhão” - como fora apelidado por aqui -, dois novos veículos foram adquiridos - um caminhão e um automóvel -, pelo Cel.Francisco Ribeiro dos Santos. Logo depois, Dona Carlota dos Anjos - viúva rica que sofria de “cravos” na planta dos pés - adquiriu uma “baratinha” Ford, último mode lo, para ver o “progresso da cidade”...

Mas por que esse fato pode ter tamanha importância histórica? Evidentemente, o número de carros era sinal de progresso de uma cidade, nos albores do século 20. E Montes Claros, à época da foto, certamente não possuía carro algum, senão seria mostrado nessa imagem. Essa praça era a principal e mais movimentada da cidade. Se aqui existissem carros, provavelmente estariam ali estacionados, mesmo que só para aparecer nessa importante e bela imagem. Como ótimo fotógrafo que demonstrou ser – pelo ângulo escolhido e pela qualidade da imagem –, esse insigne desconhecido jamais deixaria de convocar os proprietários de automóveis para exibirem suas jóias, e ao lado delas aparecer, devidamente trajados de fraque e cartola...


HOMENAGEM AO PATRONO

Juvenal Caldeira Durães
Cadeira nÀ 81
Patrono: Nathércio França

Na edição I desta Revista, escrevi um breve histórico sobre os primórdios da aviação em nossa cidade, citando algumas passagens do cometimento e nomes de seus principais precursores. Agora, sirvo-me de alguns trechos daquele trabalho para ilustrar este artigo que faço com a intenção de homenagear Nathércio França, um daqueles colaboradores da história de Montes Claros, que honrosamente tomei como Patrono/IHGMC.

Nathércio França, com brilhante atuação na frente do movimento de implantação da aviação em Montes Claros, participando das construções de suas obras e de outros empreendimentos necessários ao desenvolvimento de um sistema aéreo que, apesar de parco e elementar, nos legou uma obra florescente que acompanhou, com o passar do tempo, o crescimento da cidade, dotando-nos, hoje, de eficiente e luxuoso meio de transporte.


Nathércio França e sua mulher Nina
(Álbum de família)

“O Aeroclube de Montes Claros” foi fundado oficialmente em 11 de junho de 1939, porém, suas atividades foram paralisadas no período de 1952/67 por motivo administrativo. Aquela Associação tinha trinta e dois sócios nas
seguintes categorias: efetivos, honorários, beneméritos e remidos. E recebeu da Campanha Nacional da Aviação patrocinada por Assis Chateaubriand, o avião Piper Club 65 – Prefixo PP-TMD, doado pela Prefeitura do Rio de Janeiro – Administração Henrique Dodsworth e recebeu, também, a aeronave de prefixo PP-TTO, doada pela Colônia Israelita do Rio de Janeiro.

João Leopoldo conta, com certo orgulho, que seu pai Nathércio França e o amigo e colega de turma, Flamarion Wanderley, foram os fundadores do Aeroclube de Montes Claros, com sede provisória numa sala do 1º andar da antiga Casa Alves, localizada no centro da cidade. Conta ainda que o piloto Nathércio foi obrigado a fazer uma aterrissagem forçada no meio do mato, com seu teco-teco, enquanto conduzia o advogado Dr. Carlos Mota a uma cidade vizinha. Todavia, foram socorridos por fazendeiros da região,
sem maiores conseqüências. João lembra ainda das piruetas e vôos rasantes de seu pai e das apreensões de sua mãe com suas orações para proteger o marido extravagante.

A primeira diretoria do Aeroclube foi composta pelos fundadores:

Presidente: Levy Lafetá
Secretário: Álvaro Marcílio
Tesoureiro: Nathércio França
Diretor Técnico: Flamarion Wanderley
Presidente de honra: Antônio Teixeira de Carvalho.
As primeiras turmas tiveram como alunos
:

Antônio Lafetá Rebello (Toninho Rebello), Ormezindo Lima (Maroto), Mário Rodrigues (Marinho Alvorada), Judith Alves (Juju), Márcio Magnus Cardoso (Marinho) e outros que formaram um grupo de destaque dando início à
aviação de Montes Claros.

Montes Claros é uma cidade simples, com seu centro antigo de ruas estreitas, mal cuidadas, com trânsito confuso e sem grandes atrativos turísticos. Por outro lado, ela cresce vertiginosamente, ampliando os seus recursos e seus bairros nobres. Além disto, é uma cidade cosmopolita, que
abraça os seus filhos natos e de coração, dos quais saem os mais ilustres homens que ficam na sua história com louvor, como esses precursores da aviação de nossa terra, que eu tive a sorte de conhecer e até de conviver com alguns deles, que aqui destaco.

Nathércio França era um desses precursores. Simpático, atencioso, íntegro e de delicadeza incomum, dotes que me levaram a escolher o seu nome para patronear-me no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros (IHGMC) e o que motiva a deter-me, um pouco mais, sobre a sua pessoa neste contexto.

Ele procede de uma família tradicional da cidade de Araguari-MG e nasceu em 05/09/1905. Foi transferido para a cidade de Montes Claros a serviço do Banco Comércio e Indústria S.A. em 1929, onde conheceu Antônia de Andrade Alves (Nina), filha do famoso casal Dr. João Alves e Dona Tiburtina, com quem se casou aos 26 anos de idade, em 1931, e tiveram um casal de filhos. Estagiou-se no Rio de Janeiro, com seu colega e amigo Flamariom Wanderley, onde foram brevetados e se tornaram pilotos civis do Brasil, com condições para fundar o Aeroclube de Montes Claros.

Nathércio França recebeu o título de Cidadão Montesclarense pela Câmara por ter desempenhado funções na comunidade, tais como:

-Um dos fundadores da aviação e do Aeroclube de Montes Claros;
- Fundador do Rotary Clube Norte;
- Secretário da Companhia Energética – MG;
- Secretário da CAEMC (Companhia de Água) e da Telemig;
- Foi componente da diretoria da Associação Comercial e Industrial
de Montes Claros;
- Representante da RENNER, aproximadamente, 30 anos;
- Representante da CHEVROLET, 10 anos aproximadamente;

- Trabalhou na Nacional Aéreo por 10 anos.
Aos 46 anos de idade, o Sr. Nathércio perdeu a filha, Geralda Maria Alves França, proveniente de uma cirurgia de apendicite. Com esse transe, ele abandonou a aviação em intenção à filha, que sentia apreensões, juntamente com sua mãe, durante seus vôos rasantes e piruetas no céu dos montes claros.

Em 1958, ele estabeleceu a loja Renner, que teve continuidade com o filho João Leopoldo. E aos 76 anos de idade, quando exercia a liderança espírita na Fraternidade Canacy, veio a falecer proveniente de câncer no estômago. Deixou esposa, filho, nora, netos, netas e muita saudade.

Apesar de seu esforço e de suas realizações em prol da aviação local e do desenvolvimento social, comercial e empresarial de Montes Claros, não foi lembrado para dar seu nome, pelo menos, a um dos monumentos originários de suas lutas e de seus empreendimentos.

* * *

Acrescento ainda o discurso dirigido ao homenageado, proferido pela sua nora Maria Divina Tanury França, no qual a escritora relata um apanhado bibliográfico e um acervo de virtudes enaltecendo, com justiça, seu saudoso sogro, como vejamos abaixo:

“Deram-me a incumbência de falar sobre o Sr. Nathércio.

Muito simples seria transcrever dados das certidões de nascimento, casamento e mais alguns apanhados de trabalhos aqui realizados em Montes Claros sem nenhum interesse político e pessoal.

Antes, porém, tenho o dever moral de apresentá-lo aos senhores não somente como cidadão montes-clarense título conferido a ele pela Câmara Municipal. Quero e sei falar do senhor Nathércio como ser humano, como esposo, como pai, avô, amigo, irmão de fé.

Não preciso entrevistar amigos seus, os quais, tenho certeza, teriam orgulho em citá-lo como talvez o mais sincero e cordial.

Os testemunhos que aqui dou foram vivenciados ao longo de 12 anos de convivência debaixo do mesmo teto. Falo com o coração de filha agradecida e respeitada, pelo pai maravilhoso que a Providência Divina colocou no meu caminho, através do matrimônio com seu filho João Leopoldo. Nunca fui nora para o Sr. Nathércio; se todas as noras tiverem a sorte que tive, não sentiriam falta de um outro pai.

Como esposo, era modelo de paciência, doçura. Pai amoroso, amigo, conselheiro. Quem em Montes Claros não viu por muitas vezes pai e filho descerem para o trabalho e voltarem juntos, como dois irmãos muito unidos?

Como disse, foram 12 anos de muitas alegrias e muita paz. O nosso lar era como um barco na maioria das vezes navegando em águas calmas. Como é muito natural em família, às vezes as águas se agitavam, mas as mãos seguras do meu sogro seguravam o leme e a brandura do seu coração se derramava graciosamente, trazendo de novo a calmaria.

O seu Nathércio era tão participante e zeloso com a família que eu ao esperar o primeiro filho, foi ele, o avô coruja, que cuidou dos mínimos detalhes como o quarto do bebê, cor das paredes, carrinho, etc. E a única maneira de agradecer tanto desvelo com a futura mãe e o seu primogênito, foi dar a este o nome do avô: Nathércio. Íntegro, puro de coração, caráter sem mácula.

Outros netos vieram a ele, foi só dedicação. Sempre tinha alguns minutos para brincar com seus netinhos.

Montes Claros foi quem ganhou abrigando em seu seio tão elevado espírito vindo de Araguari, onde nasceu, e aqui conhecendo sua esposa, Dona Nina filha de políticos, ele tornou-se membro daquela família, usando de habilidade necessária para não envolver-se politicamente, criando grande círculo de amizade e nenhum inimigo.

Foi tesoureiro da CAEMC (hoje COPASA) durante algum tempo, apenas pelo espírito de cooperação que lhe foi solicitada.

Com Flamarion Wanderley, fundou o Aeroclube de Montes Claros.

Foi gerente da Nacional Transportes Aéreos, hoje Varig. Presidente da Aliança Municipal Espírita trabalhou com extremado zelo.

Foi membro da Diretoria da Associação Comercial e Industrial e também comerciante.

Seus amigos jamais o esquecerão. E nós, seus parentes, sentimos a dor pungente de saudade, mas é nosso orgulho sadio de tê-lo tido nesta vida como nosso chefe e hoje, num mundo de Luz, a certeza de que continue sendo o guardião de nosso lar.”

* * *

Com as transcrições acima, pude ilustrar este trabalho e dar uma amostra, ainda que superficial, das contribuições que Nathércio França legou à cidade e à região, sem interesse de se beneficiar com seus feitos. Ele era uma pessoa impoluta e desprendida. Dividia o seu tempo com obrigações familiares, com afazeres cotidianos, com obras sociais em benefício do próximo desamparado e ainda com o progresso da cidade.

Deixou saudade entre seus amigos e família constituída pelo seu filho João Leopoldo que vive no elegante bairro “Setor Jaó” da bela cidade de Goiânia em companhia de sua nobre e graciosa família, seguindo os passos e princípios dignos de seu saudoso pai.

Assim, eu procurei testemunhar e homenagear uma pessoa digna de valor e de nosso reconhecimento, com quem tive o privilégio de conviver por longos anos e de tomar-lhe como meu Patrono no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros / IHGMC.

As pessoas tornam-se eternizadas pelas boas obras que constroem em benefício próprio e de seu próximo.


O 10º BATALHÃO EM BRASÍLIA (DF)

Cel. Lázaro Francisco Sena
Cadeira nÀ 55
Patrono: João Luiz de Almeida

A participação do 10º Batalhão no movimento cívicomilitar de 1964 foi sintetizada pelo historiador e sociólogo João Camilo de Oliveira Torres, em sua obra Razão e Destino da Revolução, publicada ainda no final daquele ano:

“Uma operação menos focalizada pelo noticiário e talvez mais difícil foi a do 10º Batalhão da Polícia Mineira, sob o comando do Tenente-Coronel Georgino Jorge de Souza. Deslocando-se de Montes Claros em direção a Paracatu – seu objetivo era fechar a porta da Capital – esta tropa, por estradas apenas carroçáveis, atravessou o território mineiro de Leste a Oeste, numa arrancada fulminante, digna de um Rommel. As tropas da guarnição da capital volverama suas posições originárias, para balizar afinal a entrada do batalhão mineiro em Brasília. Foi um feito de armas que, embora incruento, revelou capacidade de movimentação, poder de direção, competência dos comandantes e bravura de nossos soldados.”

O boletim interno nº 59, de 31 de março de 1964, uma terça-feira, ao publicar a “ordem do dia” do comando da Unidade para a quarta-feira seguinte, reflete a mais pura normalidade para a tropa, inclusive prevendo chamada às 07h00 e dispensa às 12h00, após a revista geral, como já era
o costume naquela época. O então tenente Antônio Moreira Neto foi escalado para 1° de abril como “fiscal de dia” e não “oficial de dia”, como deveria ser em caso de qualquer possibilidade de alteração da ordem, situação em que o ofi-
cial, obrigatoriamente, deveria pernoitar no quartel. Mas não foi o que aconteceu...

É preciso relembrar que, política e ideologicamente, àquela época, as nações se encontravam polarizadas, sob a síndrom da “guerra fria”: de um lado os Estados Unidos da América, como símbolo do capitalismo, e do outro a extinta União Soviética, como timoneira do comunismo. O pobre planeta terra vivia sobressaltado com as ameaças recíprocas de emprego dos arsenais atômicos, o que seria capaz de varrer, de uma só vez, toda forma de vida então existente. A União Soviética havia “conquistado” Cuba e ali implantado o seu regime comunista, criando, na antessala dos Estados Unidos, uma base estratégica para chegar aos demais países do continente americano e neles implantar a sua ideologia política. É claro que o Brasil, pela sua dimensão territorial e pelo potencial econômico, transformou-se no alvo principal. Junte-se a isso a pusilanimidade e a leniência do governo brasileiro, instabilizado após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961.

Para a nação brasileira de então, era iminente e, ao mesmo tempo, inadmissível a implantação do comunismo ateu em nosso país, rompendo toda uma tradição cultural de fundamentos cristãos e democráticos. As forças conservadoras se insurgiram e o povo foi às ruas, paramentado de símbolos religiosos, para afastar o perigo da sovietização e implantação da ditadura do proletariado, de tão funestas conseqüências, como ainda o atestam os regimes políticos de Cuba e da Coreia do Norte. Nasceu daí o movimento cívicomilitar que derrubou o governo tendencioso do presidente
João Goulart, que por duas décadas foi chamado “Revolução de 31 de Março de 1964”, e que, logo após e até o presente, passou a ser tratado como “Ditadura Militar” pelos meios de comunicação dominados pela ideologia “esquerdista”.

Dentro de tal ebulição política que ameaçava a República, não era de se esperar outra coisa das forças armadas, pela sua competência legal e movidas pelo espíirito cívico, senão que assumissem o comando do movimento e espantassemde vez aquela intervenção estrangeira em nosso país.

Como força reserva do Exército Brasileiro, e atendendo ao chamado do seu comandante-em-chefe, o então governador José de Magalhães Pinto, a Polícia Militar de Minas Gerais aderiu incontinenti ao movimento, cabendo ao 10º Batalhão a difícil missão de participar da ocupação de Brasília, capital da República, para implantação do novo regime político.

Noite de sobressaltos para o 10º Batalhão, aquela de 31 de março de 1964. Em vez de ser dispensada a tropa às 18h30, como era o costume, a Unidade recebeu ordem para embarcar, imediatamente, para Brasília-DF, para integrar as forças revolucionárias que participariam da deposição,
pelas armas, do presidente João Goulart, se assim fosse preciso. Embarcar como, se o Batalhão não dispunha de um único veículo ao menos adaptado para o transporte de pessoal ?! Em situação como aquela, isso não é pergunta que se faça. Requisite-se os veículos necessários, onde quer que
eles se encontrem. Foi assim que o DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas entrou na campanha revolucionária, fornecendo a sua frota de novos caminhões, sob requisição, para o transporte da tropa até o seu destino. Não é preciso, e nem possível, dizer como tudo aconteceu naquela noite, mas um fato pitoresco, embora indigno para os princípios militares, precisa ser dito, para reflexão: conta-se que um soldado de nome não citado, quando já se encontrava formado em seu pelotão, armado e equipado, pronto para o embarque, aproveitou-se da confusão do momento e pediu a um seu companheiro que segurasse o seu fuzil, enquanto ele iria ao banheiro. E assim ele se foi, para nunca mais voltar, desertou..

Buscando um testemunho pessoal da operação realizada pelo 10º Batalhão em Brasília, entrevistamos o Cel Antônio Moreira Neto, do quadro de oficiais da reserva da Polícia Militar, residente em Montes Claros, que participou efetivamente daquela campanha como Tenente, a quem fizemos
as perguntas que se seguem:

1 – Como se explica a aparente normalidade da ordem pública registrada nos boletins diários do Batalhão, até mesmo no dia 31 de março de 1964?

Respondeu que as informações sobre o emprego da tropa eram sigilosas. A normalidade era apenas aparente, “de fachada”, pois a Unidade já se encontrava “de prontidão”, preparada inclusive para deslocamentos. Naquela data, já à noite, com o seu pelotão, participou da requisição dos caminhões junto ao DNOCS. Disse que o diretor daquele órgão, à época, alegou que não poderia ceder os caminhões, razão porque foram requisitados à força, em número de doze unidades, com alguns motoristas incluídos.

2 – Como foi o deslocamento da tropa até Paracatu?

A saída de Montes Claros foi por volta de 03h00 da madrugada do dia 01 de abril, chegando a Paracatu ao meiodia, em jornada ininterrupta, passando pela cidade de Pirapora, por estradas de terra, até alcançar a rodovia que liga Belo Horizonte a Brasília. Naquela cidade, o Batalhão parou
para alimentar tropa e preparar para o ataque, já que o objetivo inicial era a retomada da ponte sobre o rio São Marcos, na divisa de Minas Gerais com Goiás, que já se encontrava ocupada por tropas do Batalhão da Guarda Presidencial. O confronto só não ocorreu porque o Exército já havia aderido ao Movimento e desocupado a área. O pelotão sob seu comando recebeu a missão de vanguarda e reconhecimento do terreno, tendo ali encontrado, ainda recentes, as marcas de calçados e pneus deixadas pelos ocupantes que se retiraram. Ainda em Paracatu foi integrada ao 10º Batalhão uma Companhia do 7º BI, da cidade de Bom Despacho. Foi ali também que o Batalhão se incorporou ao 12º Regimento de Infantaria do Exército, integrando o que se denominou GT-12, para o desenvolvimento das ações das Forças Armadas em nível nacional.


GUAICUÍ
UMA BANDEIRA PERDIDA PELOS
DESBRAVADORES DO SERTÃO

Luis Carlos Vieira Novaes
Cadeira nÀ 57
Patrono: João Novaes Avelins

Quem vai a Pirapora e têm a curiosidade de adentrar-se, poucos quilômetros antes, na localidade de Barra do Guaicuí, que fica ao lado da ponte do Rio das Velhas e pertence ao município de Várzea da Palma, vai se deparar com um dos mais ricos e interessantes patrimônios culturais
do Norte de Minas: uma igrejinha, caindo aos pedaços, em cujo altar nasceu e cresceu uma frondosa Gameleira. Seu patrono é Bom Jesus de Matozinhos.

Pouco se sabe sobre a secular igrejinha, a não ser muitas lendas que cercam a história de sua existência, pois ela se encontra totalmente abandonada e esquecida pelo tempo. A sua construção, no entanto, data da época das Entradas e Bandeiras, cujos desbravadores entravam em Minas Gerais pelos leitos dos rios São Francisco e das Velhas, e cujo encontro ergueu-se o pequeno lugarejo de Barra do Guaicuí, à época, uma povoação fluorescente e promissora chamada de Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso e Almas da Barra do Rio das Velhas.

Para esclarecer o intrigante mistério em torno da insólita igreja, ouvimos historiadores, vasculhamos livros de história e geografia, ouvimos pessoas da terra, relatos passados e novos.Oresultado não chega a uma conclusão precisa, mas dá bem uma idéia da importância do centenário templo para a história dos primeiros Bandeirantes e das primeiras povoações que se tem notícia nestas Minas Gerais.

Igrejinha guarda muitos mistérios

Odistrito de Guaicuí, conhecido como Barra do Guaicuí, no encontro dos rios das Velhas com o São Francisco, foi um dos locais estudados para a mudança da capital de Minas Gerais. Esta afirmação está na página 46, da Geografia do Estado de Minas Gerais, de Álvaro da Silveira. Importante ponto de passagem à grande área de Jequitaí, era bastante procurada por garimpeiros de Diamantina e do vale do Jequitinhonha.

O distrito de Jequitaí pertenceu a Comarca de Sabará e foi o maior empório comercial do século XVII, com a chegada dos jesuítas e bandeirantes Fernão Dias Paes e Manoel de Borba Gato, em 1679. A este distrito pertenciam os arraiais de Manga e da Porteira. Na região, viveu o Barão do Jequitaí, um homem de grande influência.

Os garimpeiros desciam de Diamantina, seguindo o rio das Velhas até o encontro com o São Francisco. Outros vinham de Sabará, como Richard Francis Burton, o descobridor da fonte do Nilo e tradutor de inúmeras obras das culturas que visitou, como As mil e uma noites, o Kama Sutra e Os Lusíadas. Ele descreve Guaicuí em “Viagem de Canoa de Sabará ao Oceano Atlântico”, livro que mostra sua viagem realizada em 1867.

O ponto de confluência de pessoal que passava naquela região ficou sendo o local onde hoje é a Barra do Guaicuí.

No início da década de 1990 foi encontrada, em Santa Luzia, uma grande embarcação que navegava antigamente por praticamente toda a extensão do rio, e que hoje ficaria encalhada em sua areia.

IGREJA DIFERENTE

Perguntei certa vez ao escritor e médico João Valle Maurício sobre a igreja de pedra que se encontra no local. Ele me fez observar que ela é diferente das igrejas construídas na região. Chama a atenção, entretanto, mostrando que é bastante semelhante à Igreja Matriz de Santo Antônio de
Grão-Mogol.

Guaicuí permaneceu como liderança e vila poderosa por muitos anos. Como Grão-Mogol.

Existe a história, nunca confirmada, de que o bandeirante Fernão Dias Paes, conhecido como Paes Leme, este último sobrenome de sua mulher, teria sido enterrado naquele local. A igreja fora construída por jesuítas sobre o túmulo do Caçador das Esmeraldas.

Diversos historiadores chegaram a narrar este fato. Em seu livro “Momentos”, Luiz de Paula dedica diversas passagens. “Os mistérios (...) jazem dispersos e distanciados entre si por mais de 300 anos, a partir do sepultamento do bandeirante em 1681 até hoje. Tendo por testemunha a voz silente do tempo”.

Logo à frente cita que “o bandeirante Fernão Dias Paes morreu em Guaicuí, no ano de 1681 e foi sepultado ao lado da parede da velha Igreja de Pedras. Na parte final do poema O Caçador de Esmeraldas, a ele dedicado, Olavo Bilac, falecido em 1918, profetizou:

“Tu viveras nas estradas que abriste!
Teu nome rolará no largo choro triste
Das águas do Guaicuí. Morre, Conquistador!

Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares
Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares
Numa ramada verde, entre um ninho e uma flor.”

Também escreveram sobre Fernão Dias Paes os historiadores Hermes de Paula, Nelson Viana, Diogo de Vasconcelos, entre muitos.

O escritor Fernando Rubinger, piraporense, que trabalhou em Montes Claros nos idos de 1970, tem um livro sobre o povoado com suas lendas e histórias, chamado “Rua das Pedrinhas”.

FATO HISTÓRICO

Lenda ou não, o povoado foi de grande expressão no passado, como líder de um local e de um comércio poderoso. O historiador Simeão Ribeiro, patrono do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, em seu livro “Raízes de Minas”, fala sobre Guaicuí.

“Veio a se construir de dois arraiais, o da Manga e da Porteira, distante um do outro cerca de três quilômetros. Até 1720, a região estava sob o domínio da Bahia, pertencendo à Vila da Cachoeira, segundo os protestos do Conde de Vimieiro ao Conde de Assumar, em carta de 30 de junho de 1719.

É certo que o Rio São Francisco – o Rio da Unidade Nacional – bem como os seus afluentes, já eram conhecidos como vias de comunicação, antes do rush do ouro encetado pelos paulistas.

O São Francisco possuía as suas fazendas, os seus currais de gado, mesmo ao longo dos seus afluentes.

Também é certo que, no relógio do tempo, Antônio Guedes de Brito antecedera ao grande bandeirante Fernão Dias Paes quando, à frente de sua Bandeira, em 21 de julho de 1874, partira para o sertão do Norte de Minas.

Antônio Guedes de Brito, nomeado Regente do São Francisco, já navegara pelo seu alto curso e de seus afluentes, estabelecendo a ordem, face aos constantes assaltos dos facínoras. A sua grande obra teve prosseguimento nos trabalhos de Matias Cardoso.

Segundo Miller, de Saint-Adolph, o arraial foi fundado em, 1679 por Manuel da Borba Gato, componente da bandeira de Fernão Dias Paes. A localização do povoado às margens do Rio das Velhas com o São Francisco permite fácil acesso navegável ao Sabarabuçu e pelo outro lado à Bahia e Pernambuco.

Em 1775 foi o povoado elevado à categoria de Paróquia, sendo depois, em 1778, sede florescente de Nossa Senhora do Bom Sucesso e Almas da Barra do Rio das Velhas, subordinado ao arcebispo da Bahia.

Em 1845, já era freguesia , por lei de 16 de outubro de 1861, passou a ser Vila com três mil almas. O seu nome foi mudado para Guaicuí.

 

ARRAIAL MIMOSO

Há mais de um século, J.J. da Rocha, em “Memórias de Minas Gerais”, descrevia o Guaicuí:

“É um arraial mimoso em tudo quanto se pensa para passara vida com regalo... É terra de negócio, onde acorrem muitas embarcações de sal e couros de todas as qualidades, vindos dos sertões de Pernambuco e Bahia pelo São Francisco acima.

E se não fora infestado de grandes epidemias das sezões, no tempo das vazantes, que ordinariamente padecem os seus habitantes, seria o paraíso do mundo.

Chegara a ter o julgado da Barra dois Juízes ordinários, um Tabelião, dois Escrivães e um Vigário da Vara provido pela Bahia.

Contava Guaicuí com duas belas e importantes Igrejas, obras dos jesuítas.

A Matriz da Barra, sob a invocação de Nossa Senhora do Bom Sucesso e Almas e a filial de Nossa Senhora do Rosário, no Arraial da Porteira, distante poucos quilômetros.

 

REFORMA MODERNA

Teodoro Sampaio, ajudante da Comissão Milnor Roberts, incumbida de estudar a navegação no Rio São Francisco, assim descreve Guaicuí no livro “O Rio São Francisco e a Chapada Diamantina”.

“Dia 15 de dezembro de 1879. O tempo continua favorável, ainda que o termômetro à sombra indicasse 30º do meio dia, nos animamos a sair a terra para fazer uma visita ao arraial da Porteira, distante cerca de meia légua do nosso encoradouro.

O arraial conta apenas umas 70 casas e não tem mais de uma centena de habitantes. A igreja, como edifício importante, chamou-nos logo a atenção, e fomos pois, visita-la.

É uma construção provavelmente do fim do século XVIII. O frontispício dela, que nos disseram ter sido belo, tinha desabado há alguns anos, e foi então reconstruido e remendado.

Pintaram-no grotescamente. Desenharam-lhe em meia altura uma fila de peixes azuis e no frontão representaram uma coroa ladeada de índios, vestidos à européia e apontando para ela os componentes arcos retezados.

A obra interior seria, porém, digna de admiração e de todo apreço pelo lado artístico, se não fora o muito estrago e a péssima conservação da belíssima arquitetura dos altares.

Que belas imagens! Que formosos lavores na obra da talha!

Tudo isso, porém, não resistirá por muitos anos ainda, tão adiantados e tão irremediáveis são já os estragos do tempo.

O vigário, homem de cor, velho e doente, que tão amigavelmente nos tratou, pareceu-nos um resignado cuja voz clamava no deserto.Asua paróquia era grande demais: estendendo-se por uma e outra margem do São Francisco, com 30 léguas de comprimento e mais de 20 de largura, calculando-se cerca de 12 mil almas a sua população paupérrima e disseminada.

Ele, coitado, não tinha a mínima esperança de ver as cousas melhorarem: encontrava-as assim, assim haviam de continuar...

Teodoro Sampaio tinha razão. Em breve a Igreja da Porteira iria desaparecer. O escritor Simeão Ribeiro Pires visitou a região de Guaicuí em 1964. A igreja caira, só existiam ruínas, o que foi comprovado em viagem que fiz junto aos escritores Dário Cotrim e Ildeu Braúna, em 1994. Ali estavam somente alguns muros, mostrando que existiu uma igreja. Uma grande igreja para o povoado de Porteiras.

 

PERDENDO O BONDE DA HISTÓRIA

Curioso assinalar que foi Guaicuí um dos locais estudados para a mudança da capital de Minas Gerais. Seria uma boa escolha, lembrou Simeão Ribeiro em seu livro “Raízes de Minas”. Fartura de água, o que não acontece em Belo Horizonte, captando exatamente as nascentes do Rio das Velhas. E mais: uma capital de Estado posta as beira do Rio São Francisco. Mas o Congresso Mineiro, reunido em Barbacena, opinou em 17 de dezembro de 1893, pela escolha de Curral d’El Rey.

Segundo estudos apresentados em “Raízes de Minas”, Minas Gerais nasceu através das mãos do Conde de Assumar. Sua Majestade, por ordem de 16 de março de 1720, delegara plenos poderes ao Conde para estabelecer os limites de Minas Gerais por onde lhe parecesse mais conveniente. Foi um instante histórico das Minas. Assumar teve a faca e o queijo na mão. Cortou como quis. Só faltou um porto de mar para os mineiros. Não deram um porto de mar à Capitania das Minas Gerais porque temeram a perda da mais rica Capitania das Américas.

Além de estender pelo Rio das Velhas (depois, Nossa Senhora do Bom Sucesso e Almas da Barra do Rio das Velhas, hoje Guaicuí), onde desemboca no São Francisco, passou a envolver todas as povoações a oeste do mesmo rio até o Rio Carinhanha, “que fará limite com o Governo de Pernambuco”. Perdia assim a Capitania de Pernambuco numerosas povoações, fazendas, currais de gado, que edificara à esquerda do São Francisco, desde as suas nascentes até o Rio Carinhanha.

A Barra do Rio das Velhas, em certo tempo, seria indicada a ser, segundo o Conde de Assumar, fronteira natural entre a Capitanias de Minas e da Bahia.

E na pequena Guaicuí, como diz Libério Neves, “no ermo de Guaicuí, com duras pedras sobre pedras, perdura a igreja com sua ladainha de pedras, inacabada”, um dos mais impressionantes templos religiosos do interior do país, à beira do curso d’água.

A inacabada Igreja de Senhor Bom Jesus de Matozinhos (protetor dos navegantes), também conhecida como Igreja de Pedra, não possui nem os ornamentos barrocos nem os quilos de ouro encontrados em exemplares de Ouro Preto, Mariana, Diamantina e Congonhas do Campo, dentre outras. As pedras de Cantaria que a levantaram teriam vindo de Portugal, como lastro de navios. Entretanto, o visitante se surpreende com a espetacular Gameleira (Ficus Doliaria) de dezenas de metros de altura e uma copa imensa, nascida no topo da nave. Suas raízes descem pela parede de pedra, com quase dez metros de altura, até encontrar o solo firme.

Duas versões explicam a inacabada igreja. Uma dá conta que os índios que a estavam construindo temiam ser escravizados também pelos Bandeirantes, que no século XVII subiam o rio em busca de riquezas.

A outra aponta para as constantes enchentes do rio e as incessantes febres que os trabalhadores sofriam, adiavam a continuidade da obra tantas vezes que foi abandonada. Desde 22 de março de 1985, o Iepha (Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico) tombou a igreja como patrimônio estadual.

O viajante inglês Richard Burton, em passagem pela região em sua viagem ao Brasil, em 1867, relata: ‘O único prédio digno de nota, cujo telhado alto, espalhafatoso e inclinado chama logo a atenção do viajante, é a igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos (...). Construída em pedra de cantaria e cal, mostra que, tempo da colônia, o lugar conheceu melhores dias; como sempre, é uma obra semi-construída. A entrada do lado Sul nunca chegou a ser coberta por um telhado (...). E um arco de alvenaria
destinado a marcar o lugar do altar-mor, ao norte, está coberto de ervas daninhas‘
, anotou à época, confirmando que a obra nunca chegou a ser finalizada. Ali pode estar, mesmo, o Caçador das Esmeraldas, renascendo junto coma Gameleira... “Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares/ Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares/ Numa ramada verde, entre um ninho e uma flor.”



ELOGIO A VIRGÍLIO ABREU DE PAULA

Mara Yanmar Narciso
Cadeira nÀ 98
Patrono: Virgílio de Abreu de Paula

Quando o pai é ícone numa profissão, desafio se dá quando o filho tem talento para a mesma área, e trabalha lado a lado com esse progenitor. É preciso destacar a importância do trabalho de Virgílio Abreu de Paula como
folclorista e historiador que foi, e mostrar o motivo de ele ser o patrono da cadeira 98, a qual ocupo neste Instituto Histórico.

Nascido em 26 de maio de 1946, filho de Hermes Augusto de Paula e Josefina de Abreu Paula, Virgílio foi o terceiro filho do casal, após Valéria e Walmor e antes de Virgínia.

Quando criança praticava natação e andava no seu cavalo Brinquedo, com grande alegria. Carmen Netto escreveu: “lembro-me mais do menino Virgílio, de calça branca, suspensórios e camisa Valisére xadrez, sempre ao lado do irmão Walmor”. Fez o pré-primário com as irmãs Mercedárias e o curso primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves. Como já sabia ler aos seis anos, e não era permitido ir para o primário antes dos sete anos, fez um teste juntamente com sua futura colega Maria Inês Narciso, e foram aprovados. Nessa ocasião o Rotary Club instituiu uma premiação para “Meu melhor companheiro”, vencido pelo menino Virgílio, após votação entre os colegas. “Era muito inteligente, alegre e fechado ao mesmo tempo, um grande amigo. Convidava os colegas a frequentar a piscina em sua casa, uma coisa rara naquela época. Era espirituoso e gosta-va de falar jogando com as palavras de forma humorística, para divertir os amigos” diz sua ex-colega Maria Inês.

Ainda na infância fez parte de grupos de teatro amador, participando
da peça “A Descoberta do Espelho”, de autoria do Dr. Plínio Ribeiro, entre
outras. Fez o curso ginasial no Ginásio e Escola Normal Oficial de Montes
Claros. Como tinha aptidão para ciências, foi escolhido secretário das aulas do professor Francolino Pereira.

Aos 14 anos foi morar em Belo Horizonte , onde fez o curso científico no Colégio Santo Antônio. Aprendeu a tocar viola, e deu ao seu instrumento o nome de Rosa Hortência Margarida. Ao fim do curso, prestou vestibular para Medicina – esta em Coimbra, Portugal e Odontologia. Passou em ambos, mas optou por fazer Odontologia na UFMG. Devido à grande sensibilidade, não foi possível lidar com cabeças humanas em formol, então voltou a Montes Claros, passando a lecionar Ciências na Escola Estadual Dulce Sarmento e Colégio São Norberto. Foi trabalhar como laboratorista no Laboratório de Análises Clínicas Santa Mônica, o primeiro da cidade e propriedade do seu pai.

Fascinado pelo Natal, plantava o arroz dia 13 de dezembro, ajudava a montar o presépio, pendurava bolas na árvore durante horas, e depois ficava calado apreciando a sua obra. Foi como exímio tocador de caixa, outro instrumento que tinha nome de mulher, Maria Júlia, que entrou para o Grupo de Serestas João Chaves de Montes Claros, em 1967. Em 1969 casou-se com Gláucia Almeida Leão, tendo uma única filha, Patrícia de Leão e Paula, nascida em 1970. Em 1977 o casal se divorciou. Esta filha deu-lhe uma neta, Anna Victória.

Mantendo-se no laboratório até seu fechamento, Virgílio de Paula passou a aplicar exames de psicotécnico no Instituto Médico de Psicologia em 1972. Em 1974 representou o Norte de Minas na Funarte do Rio de Janeiro, com uma palestra sobre Música dos Catopês, com boa repercussão. Depois fez apresentações sobre o folclore de Montes Claros, falando para diversos públicos, principalmente estudantes.

Também trabalhou no DER onde permaneceu até os anos 1980. Nessa ocasião conheceu e se apaixonou por Vera Lúcia de Oliveira, de quem ficou noivo, porém o casamento não se realizou devido à morte da sua amada por rompimento de um aneurisma cerebral um mês antes do casamento.

Também como caixista participou do “Grupo Corriola Mineira”, com Jorge Santos, e em 1981 entrou de corpo e alma como folião no Terno de Folia de Reis.

Nos anos 1990 prestou concurso na Prefeitura e, passando com boa classificação, assumiu o cargo de Assessor Cultural no Centro Cultural Hermes de Paula, onde permaneceu até sua aposentadoria em 2004.

Em 1992 publicou uma coletânea sobre as viagens do Grupo de Serestas João Chaves, que batizou como sugestivo nome “Serestórias e Outros Escritos”, que incluía crônicas e poemas. Assim, a realização pessoal de Virgílio de Paula, apaixonado pelas artes e cultura locais, se deu fora do seu trabalho oficial, pois se destacou na área da História, Folclore e Cultura Popular. Grande estudioso, sabia os dados históricos de cor, e não precisava recorrer a livros ou documentos para dar entrevistas ou responder a questionário de estudantes que visitavam sua casa.

Irritava-se com invenções e descaso com os fatos reais. Muito amigo da sua prima Raquel Mendonça, junto com ela não permitia deturpações de nomes, datas e locais. Quando alguémse referia ao antigo nome de Montes Claros como “Montes Claros das Formigas”, corrigia com um sonoro“Montes Claros de Formigas”. Também fazia pesquisa de músicas e modinhas populares, entendia a fundo suas origens, estudando letra e melodia, antes de incluí-las no repertório do Grupo de Serestas João Chaves.

Foi colaborador de jornais e revistas da cidade, escrevendo uma coluna no Jornal de Notícias com o pseudônimo Fátima Moura Imperial. Apreciador do Carnaval, também desfilava na bateria do bloco carnavalesco “Biô e Salomé”, criado por Waldomiro Leão.

Seu projeto mais audacioso foi o poema “A Flor de Granada” de 2005, que teve capa e ilustrações. Gostava tanto da informática que se tornou um produtor de CD, editando um compact disc com escritos de pessoas da família. Mesmo que dissessem ser impossível, colocou em três CDs todo o trabalho do Grupo de Serestas João Chaves. Também se tornou colaborador do mural do site montesclaros.com. Em 2006 escreveu o poema “Iracunhã” em homenagem a Denise, participante da seresta, seu amor maduro e musa inspiradora.

Aborreceu-se vendo um dos casarões da Praça da Matriz ser derrubado, como também assistindo nossa história ser adulterada, por isso continuou, mesmo depois de sair do Conselho do Patrimônio Histórico, a juntar documentos e fotos, os quais retocava ao computador com grande perfeição.

A filha Patrícia relata: “Papai foi um homem muito especial. Vítima do prazer que virou vício e encerrou sua passagem muito antes da hora. Introspectivo, falava pouco ou nada de suas dores. Sofria por amor, por não domar o vício, pela doença, por assistir seu corpo definhando e ver o fim se aproximando. Calado, pensativo, sempre sorria quando alguém se aproximava. Simples no ser e no pensar Papai era um romântico, e passava bom tempo em silêncio no seu quarto ouvindo os clássicos e pensando”. Acamado desde novembro devido a uma cirrose hepática veio a falecer no dia 3 de dezembro de 2006. Muitos acreditam ter ouvido naquele dia o batuque da sua famosa caixa. No momento final sua única filha estava ao seu lado e afirma que ele “era insuperável como caixeiro. Fechava os olhos e tocava com a alma, desde sempre”. E é assim, feliz da vida, que ela quer dele se lembrar.

 

IRACUNHÃ
Virgílio de Paula (2005)

Em festa a tribo
E o velho cansado
Sozinho consigo
Relembra o passado,
O tempo já ido
De jovem ousado
Audaz, destemido
Feroz, arrojado.

- De que serve a vida
Doente e só?
Que triste legado
Do fado sem dó.
Não importa morrer.
Desvalido, magoado,
Que serve viver?

Mas vê, de repente
Visagem encantada
No meio da gente
Que enche a taba
Uma bela tupi.
Seus lisos cabelos

Sua pele bronzeada
Seu rosto moreno...
- Igual nunca vi.

Da vida a chama
Sente reluzir
O fogo do amor
Aquece-lhe a alma
Por que não amar?
Por que não sentir,
Mesmo em segredo,
O doce calor?
Melhor que penar,
Seu sol ressurgir.

E feliz se descobre
Guardando segura
Na mente e no peito
A imagem tão nobre
A bela figura
O porte perfeito
Da doce cunha
Da doce criatura,
Iracunhã.

Perdido de amores
À sombra deitado
O céu contemplando
De nuvens tomado
Qual flocos de lã
Ao sol da tardinha
Se esquece das dores
E vê, fascinado,
Sua doce indiazinha,
Iracunhã.


Na mata sozinho
Pergunta ao vento:
Por que só agora?
Por que nesse tempo,
Com o corpo desfeito.
Por que não outrora
Que, com alento no peito
Caçava, pescava,
Lutava com afã?
Por que nessa hora?
Por que, oh Tupã?
Só agora a miragem
Da doce Selvagem,
Iracunhã?

De que vale o canto das águas
Entre as pedras limosas do rio?
E o estrondo da catadupa?
Se o sabiá geme suas mágoas
Se trina, alegre, o canário,
Se chora triste a jaçanã?
Um som apenas escuta
E ouve, quase em delírio
A voz meiga, entoada,
De sua doce Iracunhã.

Quando o vento sopra, sereno
Espalhando o perfume das flores
E a abelha, tonta de ciúme
Beija a flor numa orgia pagã
A despeito de tantos olores
Só sente, ama, o perfume
O perfume suave, ameno,
De sua doce Iracunhã.

E ao deitar o corpo exaurido

Numa prece pede a Tupã:

- Que os deuses de amor imbuídos
Aliados a Jaci, tua irmã,
Te protejam dos fluidos medonhos
Emanados do vil Anhangá.
Te revejo, talvez em meus sonhos
Onde sempre, sempre estás,
Ou nas nuvens efêmeras, douradas
Pela luz do sol da manhã.
Minha doce querida, minha amada
Minha doce Iracunhã.



SOBRE DATAS, NOMES
E CIRCUNSTÂNCIAS

Maria de Lourdes Chaves – „Lola‰
Cadeira NÀ 65
Patrono: José Gonçalves de Ulhoa

Os fatos históricos são imutáveis. As datas, lugares circunstancias onde acontecem os fatos históricos não podem ser modificados, sob pena de banalizarem acontecimentos muito ou menos importantes.

É de grande responsabilidade dos membros do Instituto Histórico e Geográfico de qualquer lugar, ao escreverem memórias, casos, assuntos relatados entre acontecimentos das evoluções de uma cidade, seus costumes e seus habitantes. Qualquer erro por menor que seja, traz uma avalanche de outros erros sucessivos, transfigurando a verdade. Em nossa cidade, acontecem fatos sobre nomes de logradouros, datas e circunstancias trocados que comprometem a veracidade da nossa história.

Há anos atrás, o conservatório Lorenzo Fernandez, quando Dona Marina Lorenzo era diretora e entre muitas professoras lecionavam naquele estabelecimento, Cecy Tupinambá e Arlete Macedo, foi realizado o 1º concurso de canto. Lograram os primeiros lugares no feminino. Maria de Lourdes Chaves “Lola” e na categoria masculino, o cronista social, Magnus Medeiros, como presente, ganhei um colar de cristal verde, doado por Dr. Luis de Paula. Anos após, foi noticiada a realização como sendo o 1º concurso de canto, com o nome da professora Arlete Macedo, muito justa a escolha do nome. Entretanto, tal concurso foi o 2º e não o primeiro.

Em certa ocasião, um prefeito de Montes Claros, queria mudar o nome da praça Dr. Chaves para praça Padre Dudu. Telefonando para mim, ficou sabendo da importância do homenageado da praça e desistiu da idéia. Outro fato de querer fazer mudanças de nome, um deputado quis mudar o nome do fórum Gonçalves Chaves, para o nome de um Juiz de Direito seu amigo.

A meu ver os fatos históricos não podem ser mudados por esse ou aquele cidadão, sem antes pesquisarem minuciosamente o porquê da homenagem. Devemos ter cuidado para não adulterarmos nossa história.

Fatos Extraordinários do Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais desta Comarca

Há neste Serviço de Registro Civil, registros de óbito de vários suicidas. Notamos em sua grande maioria serem do sexo masculino. São profissionais liberais, médicos, advogados, dentistas, bancários, funcionários públicos e comerciantes.Ultimamente se suicidam muitos jovens.

1º Caso: Uma mulher nasceu em um dos distritos de Montes Claros. Sendo mulher foi criada como se fosse homem. Usava roupas masculinas, camisa com dois bolsos para disfarçar os seios.

Na idade adulta, casou-se com uma mulher. Depois faleceu. Após seu falecimento, seus irmãos requereram a nulidade do seu matrimônio. O Juiz de Direito desta Comarca, Dr. Lourenço Pimenta de Figueiredo decretou a nulidade daquele casamento.

2º Caso:Umdia, chegaram a este ofício, dois homens. Um deles falou que tinha um irmão que de vez em quando sumia e depois aparecia. Sua família, sendo comunicada a comparecer à Santa Casa para reconhecer o corpo de um finado, um dos familiares compareceu e reconheceu o corpo como sendo do irmão deles. Algum tempo depois, eis que o irmão aparece e naquele momento, o homem que estava com ele, rindo era o suposto morto.

3º Caso: Uma senhora foi internada para fazerumtratamento na Santa Casa. Seu companheiro não apresentou os documentos exigidos. Num certo dia, a esposa dele veio ao Ofício pedir uma certidão de seu nascimento. Quando a funcionária abriu o livro na folha e sobre o nº citado, viu à margem do seu registro a anotação do seu óbito. O citado homem apresentou no Hospital o registro de nascimento de sua esposa para internar sua amante.

Encerrando a história do Serviço Civil, esclareço o que se segue: No dia 15 de Outubro de 1.971, pelo governador Rondon Pacheco, Maria de Lourdes Chaves foi nomeada para Oficial do Registro Civil das pessoas Naturais desta Comarca de Montes Claros - MG. O ato foi publicado no Jornal “Minas Gerais”, aos 16 de Outubro de 1.971. Tomou posse aos 25 de Outubro de 1.971, assumindo a titularidade da serventia.

Todos esses acontecimentos foram após ter tirado o 1º lugar nas provas escritas e orais, diante da seguinte banca examinadora: Presidente: Dr. Emerson Tardieu Pereira - Diretor do Fórum,, Cândido Simões Canela - escrivão do 1º Ofício, Dr. Leontino Chaves - Promotor de Justiça de Francisco Sá –MG e o advogado Dr. Osmar Peres Caldeira.

Três meses depois, foi nomeada Suboficial, a Sra. Lígia de Figueiredo Chaves e Oliveira, em Novembro de 1.972.



GRÃO MOGOL,
O DIAMANTE DO SERTÃO

Maria Lúcia Becattini
Cadeira nÀ 30
Patrono: Dona Tiburtina

Nessa semana visitei Grão Mogol na companhia de simpáticas amigas do Grupo Lisieux. Fiquei encantada com a beleza da bucólica cidade, o carinho com que fomos recebidas e as muitas atrações turísticas.

Muitas vezes, viajamos quilômetros, para visitar pontos turísticos e nos esquecemos que temos verdadeiros paraísos aqui tão perto!

Opovoado Serra de Sto Antonio do Itacambiraçú, atual Grão Mogol, teve sua origem relacionada à descoberta de diamantes no final do século 17. No ano 1839, o lugar era chamado de Arraial da Serra de Grão Mogol e atraiu estrangeiros (portugueses, franceses, alemães) que atuavam na exploração de diamantes. A Coroa portuguesa enviou um representante para assumir o controle da exploração e comercialização dos diamantes.

Existem duas versões quanto à origem do nome da cidade. A primeira se relaciona com a descoberta, em 1550, de um grande diamante na Índia, chamado Grão Mogol. A segunda versão é devido ao grande número de conflitos e assassinatos na disputa pelos diamantes, dando origem ao nome Grande Amargor, modificado para Grão Mogol. O lugar preserva seu traçado original, com ruas estreitas e íngremes, calçadas de pedras. Uma verdadeira jóia! São vários prédios antigos, ruínas, sítios arqueológicos, festas religiosas, artesanato e a típica comida mineira. Há pouco tempo o empresário Lúcio Benquerer presenteou sua cida-de natal comumenorme presépio natural. Denominado “As mãos de Deus” é considerado o maior do mundo, (3600m quadrados). Foi inaugurado em dezembro de 2011 e já tem
milhares de visitas registradas.Opresépio iluminado a noiteé maravilhoso! São muitas as atrações deste pequeno paraíso: a Igreja matriz de Santo Antonio, com suas grossas paredes de pedra feitas por escravos, representa séculos da história local, a Casa da Cultura, o museu, a praia do Val, as belíssimas cachoeiras, o artesanato e muitos outros. Não dá tempo de visitar tudo em um dia. Um dos motivos de minha visita foi também visitar minha amiga Vilma, esposa do benfeitor Lúcio Benquerer. Não havia então compreendido como escolheram morar em Grão Mogol, em vez de París ou mesmo Belo Horizonte. Mas ao conhecer a beleza do lugar e constatar o entusiasmo e alegria que brilhavam nos olhos de minha amiga, compreendi tudo. Eles fizeram a escolha certa! O filósofo Rousseau tinha razão em declarar que, conviver com a natureza é um caminho para a felicidade.É bem verdade que é mais fácil encontrar a felicidade na simplicidade e tranqüilidade de um pequeno paraíso do que no tumulto e violência das grandes cidades.

Visitem Grão Mogol!



LEMBRANÇAS DOS TEMPOS
DE ESTUDANTE

Palmyra Santos Oliveira
Cadeira nÀ 64
Patrono: José Gomes de Oliveira

Em 1933, recebi o meu diploma de curso primário, que na época era considerado um grande feito, com distinção e louvor, isto é dez em todas as matérias escritas e orais.

Emsetembro de 1929, mudamos para a cidade de Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, e o resto do ano não freqüentei escola porque meu pai faleceu, no dia 20 de outubro, obrigando-nos a voltar para Montes Claros.

Em 1932, no mês de agosto, o meu tio Ambrosino faleceu. Ele era pai de Emília, da “Feira das Louças”, e por muitos dias fiquei com minha avó em sua casa, deixando de ir às aulas pelo resto do ano. Só no ano seguinte tirei meu diploma.

Em 1934, por meio de prova, fui classificada para a turma “A”do primeiro ano de Adaptação, cujos professores eram: Português e Francês, Joana D’Arc Veloso dos Anjos; Ciências, Anelita Valle Ulhoa; Geografia e História,
João Neto; Matemática, Cândida Câmara (Doninha); Música e Canto, Dulce Sarmento; Educação Física, Felicidade Tupinambá; Desenho e Trabalhos Manuais, Maria de Lourdes Pinheiro (Taúde).

Durante dois anos, fizemos o Curso de Adaptação. Depois, no curso denominado “Normal” – que era o que de melhor havia naquela época, em Montes Claros, para moças e rapazes. Nesse curso, tivemos os seguintes professores: Português, a farmacêutica Lília Câmara; Matemática, João de Andrade Câmara; Francês, Dr. Alfredo de Souza Coutinho; Geografia e História, Dr. José Thomaz de Oliveira; Ciências Naturais, Dr. Plínio Ribeiro; Música e Canto, Dulce Sarmento’Desenho, Nieta Veloso.

Na nossa turma, tínhamos dois colegas do sexo masculino: Eulídson Novais e Jayme Silveira.

Nosso diretor era o Sr. José Raymundo Neto, ótima pessoa, homem sábio e profundo conhecedor de normas educativas. Ele nos reunia semanalmente para nos transmitir ensinamentos de moral e civismo.

Em 1938, o governador Benedito Valadares Ribeiro suprimiu a Escola Normal Oficial de Montes Claros. Por isso, fomos concluir os estudos no Colégio Imaculada Conceição. Exceto os dois colegas, porque, na época, aquele Colégio era exclusivo para o sexo feminino. Constituímos a primeira grande turma do Colégio, composta de 48 alunas.

Ali, tivemos as seguintes professoras: Português, Irmã Rosalina (substituída depois pela Irmã De Lourdes); Matemática e Religião, Irmã Emília; Metodologia, Irmã Inês Mendes; Educação Física, Ieda Vechio Maurício; Música e Canto, Alzira Cruz.

A sessão solene de nossa formatura, no final de 1938, foi no Cine Metrópole – onde posteriormente funcionou o Cine São Luiz -, na Rua Simeão Ribeiro. Todas nós de vestidos brancos, longos, sapatos de salto alto – que vendi logo após a formatura -, e anel de grau, feito sob encomenda, por ourives de Diamantina.

O nosso paraninfo foi o advogado e ex-professor da Escola Normal, Dr. Alfredo de Souza Coutinho, que sempre nos cativou com seu cumprimento amável. Curvava-se e dizia: - Senhorita! Isso nos encantava, na época...



A FORÇA DA CACHAÇA DE SALINAS

Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira nÀ 44
Patrono: Heloísa Veloso dos Anjos Sarmento

O agronegócio da cachaça de Salinas já é uma importante atividade econômica do município que gera renda, emprego e recurso público ao erário municipal Nas últimas décadas, o município norte-mineiro de Salinas tem sido reconhecido como a capital nacional da cachaça artesanal, onde são produzidas as mais cobiça das marcas de cachaças do país. Turistas de todo o Brasil e até mesmo do exterior visitam Salinas para conhecer e
degustar a bebida no Festival Mundial da Cachaça, cujo evento é realizado todos os anos desde 2002 pela Associação de Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs), que conta com o apoio logístico e financeiro da prefeitura do município.

Salinas possui a maior concentração de marcas de cachaça artesanal do Brasil com mais de sessenta marcas e produção estimada em cerca de cinco milhões de litros por safra. Historicamente, a safra se inicia em maio e se estende até dezembro, movimentando dezenas de alambiques, gerando renda, emprego e recurso público ao erário municipal na forma de repasse de ICMS pelo estado.

Amarca de cachaça artesanal mais tradicional do Brasil atualmente é produzida em Salinas. É a famosa cachaça Havana-Anísio Santiago, reconhecida Patrimônio Cultural Imaterial de Salinas por meio de Decreto Municipal nº. 3.728/2006, fato inédito no Brasil. Também é de Salinas o maior produtor do estado em volume de produção comercializada sob as marcas Boazinha, Saliboa e Seleta. Outras marcas tradicionais como Beija-Flor, Canarinha, Cubana, Erva Doce, Indaiazinha, Lua Cheia, Majestade, Nova Aliança, Piragibana, Sabor de Minas, Salineira, Terra de Ouro, dentre outras, fazem sucesso junto ao consumidor que a cada dia vem apreciando e degustando a mais genuína bebida brasileira: a cachaça.

As evidências do sucesso da cachaça de Salinas são muitas. Vejamos algumas:

Em 1990, a revista PLAYBOY (edição de maio) lançou seu primeiro ranking de cachaça. A cachaça Havana, do produtor Anísio Santiago (1912-2002) ficou em primeiro lugar.

Em 2007, a revista PLAYBOY (edição de abril), elegeu sete marcas de Salinas entre as vinte melhores do país: Anísio Santiago-Havana (2º. Lugar), Canarinha (3º. Lugar), Boazinha (6º. Lugar), Piragibana (10º. Lugar), Indaiazinha (12º. Lugar), Lua Cheia (16º. Lugar) e Seleta (18º. Lugar), tendo representatividade de 35% do rol das marcas eleitas.

Em 2009, a revista PLAYBOY elegeu duas marcas entre as melhores do pais: Anísio Santiago-Havana (1º. lugar) e Canarinha (6º. lugar).

Em 2010, a conceituada revista VEJA (edição de janeiro 2010) lançou seu primeiro ranking de cachaça, sendo que a cachaça Anísio Santiago-Havana ficou em primeiro luga na categoria cachaça envelhecida. A marca Canarinha ficou em quatro lugar.

Em2011, no último ranking da revista PLAYBOY (edição de julho), duas marcas de Salinas foram eleitas entre as vinte melhores do país: Anísio Santiago-Havana (1º. lugar) e Canarinha (6º. lugar).

Na literatura da cachaça, Salinas é destaque nos mais diversos livros lançados nos últimos anos. Todos os autores destacam a importância da cachaça produzida no município pela sua qualidade, tradição e variedade de marcas.

Outra evidência da força da cachaça de Salinas está na arrecadação de ICMS, imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, de competência estadual. O ICMS é um excelente indicador para mensuração da atividade econômica pois permite fazer correlação com outros setores da economia. Permite, ainda, fazer análise sobre aspectos da formalidade e informalidade do setor.

Cerca de um terço da arrecadação de ICMS é proveniente da atividade produtiva de cachaça nos alambiques do município. Os dados da arrecadação de ICMS apontam Salinas como único município mineiro que possui cadeia produtiva consolidada com expressiva participação na economia local.

A tabela abaixo, com dados obtidos na Receita Estadual de Minas Gerais, consolidada em março 2013, demonstra de forma inequívoca a força da cachaça de Salinas na região.

A microrregião de Salinas, composta por dezessete municípios, possui 45 produtores de cachaça formalizados (inscritos na Receita Federal, Receita Estadual e Ministério da Agricultura), sendo que 27 produtores (60%) estão localizados no município de Salinas. Em 2012, os produtores de Salinas faturaram 26,8 milhões de reais, 9,24% a mais em em relação a 2011, que foi de 24,4 milhões de reais.

Aparticipação dos produtores de Salinas foi de 72,43% em relação ao total faturado pelos produtores da região em 2012. No ano anterior a participação foi de 75,48%. Demonstra que Salinas vem buscando a formalidade ao longo dos últimos anos com expressiva participação na economia do município.

Poucas cidades brasileiras possuem símbolo que reflete a economia e cultura local. Salinas possui a cachaça artesanal como símbolo de sua vocação econômica e cultural. A genuína bebida brasileira ali produzida está cada vez mais cobiçada pela sua qualidade, tradição e variedade de marcas. Maria das Vitórias Cavalcanti, presidente do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça (PBDC), em depoimento para o livro “O Mito da Cachaça Havana- Anísio Santiago” (Editora Cuatiara: Belo Horizonte, 2ª. edição, 2007, 292 páginas) afirma que “É indiscutível a importância da região de Salinas para o desenvolvimento do mercado da cachaça no Brasil e no exterior. A busca dos produtores da região em desenvolver marcas e produto de qualidade diferenciada colocou Minas Gerais na liderança da produção de cachaça artesanal no Brasil”.

O processo de expansão e diversificação da economia brasileira ao longo das últimas décadas vem forjando e incrementando atividades econômicas com produtos típicos da cultura do Brasil com forte impacto nas economias locais. Neste aspecto, através de diversos fatores como clima, solo, conhecimento e tradição, Salinas vem promovendo desenvolvimento sócioeconômico, bemcomo ocupando espaço no mercado interno e externo através de bebida que expressa parte da cultura e identidade brasileira: a cachaça.

O Museu da Cachaça de Salinas, inaugurado em dezembro de 2012, com recurso do tesouro estadual é o reconhecimento oficial do governo mineiro, fato inédito no Brasil, da importância da cachaça para Salinas e Minas Gerais. Foi graças ao trabalho épico dos produtores que o município
de Salinas virou sinônimo de cachaça no Brasil.

Um brinde à cachaça de Salinas!

ALGUMAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
À CACHAÇA DE SALINAS

ALCÂNTARA, Araquém. BEATO, Manoel. Cachaça.São Paulo:
Transbrasil, 2011.
ALENCAR, Girleno. Cachaça Havana provoca „guerra‰ no norte.
Hoje em Dia, Caderno de Minas, Belo Horizonte, 1º março, p. 9.
BEM-VINDO ¤ terra da Havana. Revista Globo Rural, São Paulo, nº 3,
1988.
CAVALCANTE, Messias S. A verdadeira História da Cachaça. São
Paulo: Editora Sá, 2011.
FEIJÓ, Ataneia. MACIEL, Engels. Cachaça Artesanal: Do Alambique à
Mesa. Rio de Janeiro: Senasc, 2002.
FIGUEIREDO, Renato. De Marvada a Bendita. São Paulo: Matriz,
2011.
PAIVA, Fernando. Viagem ao país da cachaça. Revista Mitsubishi nº
13, São Paulo, março 2004.
Revista PLAYBOY (edições de maio 1990, abril 2007, agosto 2009 e
julho 2011).
RIBEIRO, Ronaldo. A Safra Seguinte. Revista National Geographic
Brasil, outubro 2003.
SANTIAGO, Roberto Carlos Morais Santiago. O Mito da Cachaça
Havana-Anísio Santiago. Belo Horizonte: Cuatiara, 2006.
VENTURA, Sandra. GIRALDEZ, Ricardo. Cachaça: Cultura e Prazer
Brasileiro. São Paulo: Dalmara, 2006.
WEIMANN, Erwin. Cachaça: A Bebida Brasileira. São Paulo: Terceiro
Nome, 2006.


NATURALISTAS E VIAJANTES
DO RIO SÃO FRANCISCO

Roberto Pinto da Fonseca
Cadeira N. 92
Patrono: Sebastião Tupinambá

Os diversos olhos d’água que nascemno platô da Serra da Canastra, Minas Gerais, se juntam formando a magnífica cachoeira de Casca d’Anta, no distrito de São José do Barreiro, São Roque de Minas, Minas Gerais, dando início à nascente histórica do Rio São Francisco, que percorrerá, na direção nordeste, 2.814 km em território brasileiro, até desaguar no mar.

Percorre os estados de Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, atravessando Paulo Afonso e lançando suas águas no Atlântico, entre Brejo Grande (SE) e Piaçabuçu (AL). Sua bacia também atinge parte do Distrito Federal e Goiás, abrangendo atualmente 504 municípios, englobando uma população de 18 milhões de pessoas. O Rio das Velhas é seu principal afluente, num total de 168 rios, sendo que 99 são perenes. Abrange 7,5% do território nacional. Sua bacia hidrográfica possui uma área de 634.000 km2.

A foz do rio-mar, Opará, na língua tupi-guarani, foi vista em 4 de outubro de 1501, pelo navegante Américo Vespúcio, recebendo o nome de São Francisco, em homenagem ao santo do dia.

A vasta região do rio começou a ser colonizada a partir da fundação de uma feitoria em 1545 - a atual cidade de Penedo -, por Duarte Coelho, donatário da Capitânia de Pernambuco. Surgiram as primeiras plantações de cana-de-açúcar, os currais de gado e missões religiosas. De Salvador, sede do governo colonial, se deu, a partir de 1600, o desbravamento do médio São Francisco, com as grandes boiadas e latifúndiospenetrando o agreste. Nos anos de 1700 já se realizavam as primeiras romarias ao Santuário de Bom Jesus da Lapa (BA).

Por essa mesma época, registra-se a incursão, na região do alto São Francisco, de paulistas à procura de índio para aprisionar.

Com a descoberta do ouro nas Minas Gerais, o Velho Chico passou a ser a entrada natural da região, via Rio das Velhas. Com o advento do ouro, se desenvolve uma imensa rota comercial entre a região das minas e os currais de gado do São Francisco. Desenvolvem-se diversos entrepostos comerciais ao longo do grande rio, que se converteram em núcleos urbanos mineiros, como Januária, Barra do Guaicuí, São Romão, Matias Cardoso. Na Bahia surgem dois polos importantes: Carinhanha e Juazeiro.

Mesmo após o declínio das minas, as diversas rotas comercias desenvolvidas em torno do rio não perderiam seu ímpeto desenvolvimentista, interligando as regiões sudeste, centro-oeste e nordeste.

Na primeira metade do século XIX, o grande rio seria alvo de atenção de grandes cientistas europeus, naturalistas, botânicos, que estimulados com a vinda da corte portuguesa para o Brasilem1808, se voltaram para nosso interior, buscando conhecer, estudar e desbravar ainda mais as nossas potencialidades.

Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire (1779-1853), botânico francês, percorreu o Brasil entre 1816 e 1822, viajando pelo Rio de Janeiro, Minas, Espírito Santo, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Publicou em francês, no ano de 1847, o seu relatório “Viagem às Nascentes do Rio São Francisco”. Sobre a nascente do São Francisco, escreveu:


Auguste de Saint-Hilaire

“Para ter uma ideia de como é fascinante a paisagem ali, o
leitor deve imaginar estar vendo em conjunto tudo o que a
natureza tem de mais encantador: um céu de um azul
puríssimo, montanhas coroadas de rochas, uma cachoeira
majestosa, águas de uma limpidez sem par, o verde cintilante
das folhagens e, finalmente, mais matas virgens, que
exibem todos os tipos de vegetação tropical.”

Todo o material colecionado por ele no Brasil formou um herbário de 30.000 exemplares, englobando 7.000 espécies - na época, 4.500 espécies foram consideradas desconhecidas. Sentia-se encantado diante da exuberância de nossa natureza. Já nessa época sentia-se preocupado com a devastação da natureza, sobretudo com as queimadas.

Carl Friedrich Philipp Von Martius Von Martius (1794-1868) foi botânico, médico e antropólogo, sendo considerado um dos maiores pesquisadores alemães a percorrer e estudar o Brasil. Viajou pelo país entre 1817 e 1820. Foi um dos primeiros cientistas a estudar os indígenas e os colonos. Suas atividades não se restringiam apenas à botânica, se interessou pela metodologia histórica, pesquisou nosso folclore, etnografia e línguas indígenas.


Carl Friedrich Philipp Von Martius

Onaturalista alemão Von Spix (1781-1827) veio em 1817 para o Brasil com seu colega Von Martius. Faziam parte da Missão que acompanhava a futura rainha do Brasil, a princesa Leopoldina. Em 1820 encerra a sua viagem, retornandoà Europa com 9.000 espécies de plantas e animais, coleção que formaria o conjunto mais importante do Museu de História Natural de Munique. Suas pesquisas estão muito ligadas a Von Martius. Publicaram “Viagem pelo Brasil 1817-1820”, que foi publicado em Munique em 1823, dividido em três volumes. Esse importante livro sobre nosso território só foi publicado no Brasil em 1916, sendo que a edição integral seria lançada em 1938. Os dois cientistas percorreram a região mineira do S. Francisco, além do trecho da Estrada Real entre Ouro Preto e Diamantina. “A Flora Brasiliensis” foi um trabalho tão grandioso que foram gastos 66 anos para a sua completa organização. Dividida em 40 volumes, 3.000 gravuras, onde estão catalogadas 20.000 espécies, sendo que 6000 eram totalmente desconhecidas.


Johann Baptist Von Spix

Sir Richard Francis Burton (1821-1890), nascido na Irlanda, foi um dos maiores exploradores e orientalistas britânicos. Disfarçado de afegão, foi um dos primeiros europeus a viajarà cidade proibida de Meca, expressamente vetada a qualquer não muçulmano. Fez a mesma aventura na Somália percorrendo, também sob disfarce, a ruas da capital Harar, onde todo estrangeiro - e sobretudo branco - era assassinado. Foi um escritor prolífico, sendo o primeiro a traduzir para o inglês o Kama Sutra (1883), provocando grande escândalo no Inglaterra vitoriana. Em 1885, foi a vez das Mil e Uma Noites.

Em 1861, chega ao Brasil e vai morar em Santos como membro do serviço diplomático e do Ministério do Exterior da Inglaterra. Passa a viajar pelo interior do Brasil e escreve dois livros importantes: “Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho” e “Viagem de Canoa, de Sabará ao Oceano Atlântico”. Escreve importantes observações sobre o rio São Francisco, as comunidades e o povo ribeirinho.
Sobre o espanto de ver o velho Chico, escreve:

“Esse curso de água não é um rio sagrado, mas seu futuro será mais honroso que o passado do Ganges ou dos hindus. O vale e os Gerais que o limitam de ambos os lados contêm todos os elementos de prosperidade necessárias a um império.”

Retratando a visão do europeu sobre nossa sociedade, eis como descreve o povo da cidade de São Romão, por onde passou em 1867:


Richard Francis Burton

“Não tive boa impressão dos são-romanenses. Não vi, entre
eles, uma única pessoas branca; constituíam um magote
de bodes (mulato) e cabras (mestiço de índio e mulato),
caboclos e negros. A classe inferior, se ela existe, nessa
terra onde reina a perfeita igualdade, teórica e prática, anda
em molambos, os mais ricos vestiam-se no estilo europeu,
camisas de ‘pufos” e coletes de veludo, mas seus cabelos
escorridos e rostos chatos relembravam a origem aborígine.
Eram devotos, como mostravam as cruzes de madeiras
penduradas nas paredes; mal-educados, mal tinham a energia
suficiente para se reunirem em grupos nas portas e
janelas, os homens para observar, as mulheres para comentar
o forasteiro que passava.”

Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfed (1797-1873) nasceu em Hanover. Com formação em engenharia, veio para o Brasil em 1825, integrando o Imperial Corpo de Estrangeiros.Em1836, foi nomeado “Engenheiro da Província de Minas Gerais”, passando a morar em Ouro Preto. Construiu a estrada entre a capital da província e Paraibuna, na divisa como estado do Rio de Janeiro. Esse trecho de estrada, além de melhorar em muito a integração do Estado, possibilitou o desenvolvimento da cidade de Juiz de Fora.

Em 1852, foi incumbido por Dom Pedro II de realizar todo o mapeamento do Rio São Francisco. Durante dois anos, percorreu desde a cidade de Pirapora, todos o rio e seus afluentes. Desse trabalho, surgiu o “Atlas e relatório concernente à exploração do Rio São Francisco”, publicado em 1860. Nesse importante documento, foram registradas todas as informações científicas, cartas topográficas, mapas, as formas e possibilidades corretas da exploração dos recursos naturais, viabilidades econômicas e navegação. Documento ainda atualmente de extrema precisão para se consultar sobre o rio-mar.


Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfed


LOJINHA DAS MÚSICAS

Ronaldo José de Almeida
Cadeira nÀ 25
Patrono: Corbiniano Rodrigues dÂAquino

Quando criança, lá pelos meus 12 anos de idade, sempre que possível, principalmente aos sábados, eu ajudava ao meu pai na sua loja de discos e instrumentos musicais, situada na Praça Dr. Carlos, nº 105. A minha função era colocar para tocar os discos, quase sempre de 78 rotações, aqueles que quebravam com a maior facilidade. Mesmo que não houvesse clientes na loja, a música não podia parar.

Naquelaépoca, oscompradores dificilmente sabiam qual disco queriam comprar, escolhiam, à medida que ouviam e se gostassem.Aminhatarefa, consistiaem“passar” os discos para os fregueses ouvir e quando gostavam, eles separavam para comprar, tudo sob os olhares atentos da gerente Eny.

Os discos vendidos eram colocados em sacos de papel no mesmo formato, com o nome da loja, e bastante destacado a tarja, “Definitivamente não trocamos discos”, tais embalagens, foram precursora das sacolas de plásticos, hoje tão usadas.

Os compradores, quase sempre eram pessoas oriundas de fazendas, uma vez que, no sábado, era dia de feira e o “movimento” no vizinho e grande mercado central, era imenso.

Também eram freguesas da loja do meu pai, as mulheres da casa da “Roxa” e da casa da “Anália”; as duas maiores cortesãs da região, inimigas e concorrentes no ramo.

Se por um lado os fregueses vindos das fazendas gostavam da chamada musica sertaneja, não esta que se ouve hoje, de Chitãozinho e Xororó; Leonardo e outros cantantes, mas, a autêntica, a sertaneja de raiz, de Tônico e Tinoco; Tião Carreiro e Pardinho e outros mais; por outro lado às
meretrizes gostavam de Nelson Gonçalves; Orlando Dias; Cauby Peixoto, etc.

Devo dizer que como ótimos clientes também haviam os bancários, considerados pelas famílias, “bons partidos”, rapazes que frequentavam bastantes festas, e eram disputados pelas moças casadoiras.

Nesta época, já começavam a despontar Sérgio Murilo, Demétrius, Altemar Dutra, Rosemary e mais alguns artistas com relativos sucessos.

Os hits demoravammuito a chegar em nossa loja, face às dificuldades de transportes; somente os conhecíamos por meio do rádio e ou revistas, eis que ainda não tínhamos ainda televisão em nossa cidade.

Quando chegavam os discos era uma festa, muitas vezes alguns clientes conhecidos e habituais, faziam encomendas de alguns sucessos, então deveríamos separar e avisá-los rapidamente; quase sempre eram os bancários que encomendavam.

Assim era o cotidiano da pequena loja de disco do meu pai.

Relato tais fatos, uma vez que me fluiu na lembrança e com muita saudade, motivado pela simples visão de um CD, que encontrei no Supermercado Bom Preço, no Shopping de Itabuna/Ba.

Gosto muito de vasculhar as prateleiras de CDs e dias atrás encontrei na parte de liquidação por R$ 6,50, um CD, composto do melhor repertório da nossa MPB, bem selecionado, com excelente arranjo, da cantora Walesca, uma das preferidas do poeta Vinícius de Morais e do maestro Tom Jobim, que tanto sucesso fez e ainda faz nas boates de São Paulo. Ninguém comprava e nem mesmo a conhecia; algumas garotas até debochavam, mais adiante numa parte destinada a “lançamentos”, vários jovens admiravam e compravam o novo CD do pseudo cantor, Latino.

Completa inversão de valores.


DOUTOR RAMETA E
“OS MENINOS DO SAPÉ”

Wanderlino Arruda
Cadeira nÀ 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Nascido em São Paulo, mas transmudado de vida e vivências para a velha vila do Sapé, meio de mata e canteiro de construção ferroviária, José Rameta enriqueceu-se de realismo mágico e purificou-se de simplicidade interiorana, qualidades endereçadas à sua futura atividade literária. Acompanhando Salvador, pai, no trabalho, e D. Lia, mãe, no trato com as coisas de Deus e da casa, fez escola de humanismo, preparou-se para conferir às pessoas e aos assuntos, existência de eternidade. Observador sensível, dotado de bondade e finura, nem a timidez lhe tira a capacidade
de construção do bem.

Escrever, contar “causos” tem sido um complemento das horas de trabalho do doutor ginecologista, sempre muito ocupado, trabalhador que trabalha em área de diversão de muitos, segundo poderia dizer a fala alegre dos humoristas. Bom contista, é espelho refletindo universos do consultório médico, das salas de parto ou de cirurgia, que podem estar em qualquer parte do mundo. Tem bom poder de enredar, criar, construir ambientes, sugerir dramas, despertar emoções. Nele é sempre perceptível a busca e a espera do clímax.

Em “Os Meninos do Sapé”, Rameta demonstra-se um saudosista que sabe evocar cenas de encantamento tipo primeira noite de um homem, recordos do garoto e do rapaz estudante. Muitas são as visões que circulam entre o cômico e o trágico, sempre temperadas de malícia comedida, com doses de místico fatalismo.Ummisterioso, muitas vezes saudado pela maestria do balanço das frases e das palavras, todas tão simples como o seu modo de ser e de viver. Estas são as facetas que vão despertar o leitor para uma leitura gostosa, transparente como as águas do Rio Verde, que inspiraram
o escritor, a exemplo do rio da antiga Arcádia.

Os lugares criados pela escrita de Rameta são geográficos e reais, embora universais e universalizantes, no ponto em que estão isentos de fronteiras da política ou da ideologia, uma contida cosmovisão da nossa pequena humanidade. Seus dramas nunca constituem flagelos ou catástrofes, porque, aí, a miséria e as fraquezas nunca se mostram em clima de fratura exposta. A dor maior é acidental e não causa gritos de estertor nem nos partos difíceis, já que, com amor, quase religioso, anestesiado. A dor menor, esta vem de fininho, matreira, solerte, bem comportada, nunca ferindo nem corpo nem alma.

Rameta trabalha bem com as suas personagens, convive com elas, alegra-se e sofre em fraterno companheirismo. Dá-lhes foco de luz e boa movimentação. Envolve-as com o toque cuidadoso, escuta-lhes o coração, deixa-as em atmosfera de confiança, sem barulho, sem pressões, cobrindo com branco lençol as partes de maior pudor. Seu espaço médico/
poético/literário tanto pode ser um hospital de estudantes em Belo Horizonte como a clínica que divide com a doutora Maria de Jesus, sua mulher e colega. Seu tempo/espaço pode ser também Montes Claros ou as ruas poeirentas do Sapé, o bairrinho antigo de onde nasceu Burarama, a cidade filha do Capitão Enéas e de Salvador Rameta.

Assim, não precisa nosso contista criar um mundo fictício, não tem necessidade de formar, inventar, machucar as palavras, para delas extrair verdades ou meras ilusões. Filho de Dona Lia Rameta, de suave misticismo, ele, sacerdote simpático de corpo e alma, sabe mostrar fotografias mentais dos acontecimentos sugestivos de sua profissão. Em torno dele, os fatos simplesmente acontecem encantados ou não, nem sempre com sangue ou envoltos com placentas e cordões umbilicais. Vindo à luz como artista da palavra e do bisturi, Rameta é, sobretudo, um doador de existências, com choros e com sorrisos. Um agende de felicidades. Os leitores de “Os Meninos do Sapé” – ao contrário dos antigos romanos – dizem e poderão dizer sempre: Salve, nobre Amigo, os que vão viver te saúdam.


AGOSTO DE CINQUENTA E TRÊS

Wanderlino Arruda
Cadeira nÀ 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Quando Celso Brant dedicou toda a revista ACAIACA de agosto de 53 a Montes Claros, comandavam esta cidade o Capitão Enéas Mineiro de Souza e o Coronel João Lopes Martins, duas patentes ainda bem vivas na lembrança de leitores mais velhos, cada uma delas com personalidade bem forte, à moda da época, revolucionários e conservadores, marcantes de paixão, um tanto próximos do caudilhismo com feição regional. A Câmara Municipal, dirigida pelo flegmático João F. Pimenta, tinha a respeitabilidade
da década, uma saudosa coerência de bom comportamento. Dos quinze cidadãos com acento na casa, nenhum mais aqui para servir de testemunha. Também já não temos o juiz Ariosto Guarinello, o bispo Luiz Victor Sartori, o delegado José Coelho de Araújo, nem os colaboradores da
revista padre Agostinho Beckhauser, Nelson Washington Vianna, Alfred Hannemann, José Monteiro Fonseca, Neném Barbosa, Pedro Sant’Ana, Irmã Rudolfa e os poetas Geraldo Freire e Dulce Sarmento. Ninguém mais para contar a história, pois todos na longa viagem da eternidade...

Com sessenta anos passados, é bom que ainda reste a lembrança de amigos como o professor Belisário Gonçalves, figura e estilo tão próximos de Castro Alves, do repórter José Prates, nosso primeiro jornalista de rua e de redação, ainda no batente, escrevendo do Rio de Janeiro para o Montesclaros.com. Também já ausentes do plano físico, Felicidade Tupinambá, João Vale Maurício, Konstantin Christoff, Flora Pires Ramos, Cândido Canela, Irmã Maria de Lourdes, Orestes Barbosa e Lourdes Martins,Áflio Mendes de Aguiar, Afonso Pimenta e Feliciano Oliveira. Vivos,
bem vivos, muito vivos, aproximando-se gloriosamente dos cem anos, Luiz de Paula Ferreira e Yvonne Silveira, companheiros da Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Todos juntos, formaram um belo corpo editorial, de prosa e poesia e de desenho, agradáveis, bemfeitos, até comum lindo toque de romantismo pelo muito amor a terra montes-clarense.

Confesso que o mais gostoso na velha revista ACAIACA era o conjunto de anúncios, alguns até de página inteira, muitos com ilustrações interessantíssimas. Yvonne Silveira e Luiz de Paula que me digam se estou ou não falando a verdade, se é ou não salutar o direito de ter saudades.
Quem – dos mais velhos - não se lembra, por exemplo, de nomes importantes como, Casa Alves, Imperial Casa Ramos, Big-Bar, Salão Rex, Joalheria Coelho, Assombro da Pirotécnica, Casa Elza, Loyola e Companhia, Turmalina, Instituto de Beleza Gilda, Casa Paulino, Alfaiataria Ribeiro, Macarrão Iracema, Bar de Tito Versiane? Quem não tem ainda gravados namemória nomes tão conhecidos como Hotel São Luiz, Hotel São José, Hotel Santa Cruz, João Souto Consignações, Casa para Todos, A Construtora, Ayres Alfaiate, Joalheria Cima, Transportadora Armênio Veloso, Farmácia Americana, Maternidade Santa Helena? São gratificantes
pedaços de lembranças, coloridos no tempo e nos sonhos...

Tudo na revista é interessante, mas o sensacional mesmo são as fotografias feitas pela mão de mestre de José Figueiredo Pinto, também inesquecível. Na página infantil, retratos dos garotos Jorge Enéas e Catarina. Nas páginas de esportes, flagrantes de momentos históricos dos atletas do Montes Claros Tênis Clube, Moema, Zembla, Glória, Eunice, Ilza, Marlene, Shirley, Wilma, Norma Maria, Stela, Zenaide, Clarissa, Consolação. No bloco da educação, fotos de alunas e professoras, do Colégio Imaculada. Como fe chamento de ilustração, bonitos exemplares das raças gir e indubrasil das fazendas de Dominguinhos Braga, Osmane e Neném Barbosa, João Alencar, Antônio Augusto e Geraldo Athayde.

Naquele tempo, havia os Bancos do Brasil, Hipotecário e Agrícola, Minas Gerais, do Comércio, Crédito Real. Não havia Banco do Nordeste. O Banco do Estado de Minas Gerais ainda era chamado de Banco Mineiro de Produção.


FAFIL, PIONEIRA
DO ENSINO SUPERIOR

Wanderlino Arruda
Cadeira nÀ 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Creio que o grande laboratório de ideias a usina de sonhos tenha sido mesmo as salas de aulas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde moças montes-clarenses terminavam diferentes cursos, tão distantes uns dos outros que iam da História à Pedagogia, das Letras à Matemática, da Geografia às Ciências Sociais. Diplomadas, portadoras de muito saber e incentivo de antigos professores da capital, Isabel Rebelo de Paula, as irmãs Baby e Mary Figueiredo, Sônia Quadros Lopes, Florinda Ramos Marques, Dalva Santiago de Paula, ansiosamente, se uniram a outros idealistas, e o resultado foi o nascimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Norte de Minas – Fafil - aqui em Montes Claros. Verdade é que não houve oposição ao seu trabalho e até não faltou crédito ou aquele sempre necessário voto de confiança. Todo mundo acreditou nelas, com o Colégio Imaculada Conceição cedendo espaço físico e moral, a Fundação Educacional Luiz de Paula fornecendo recursos
e entusiasmo, professores como Jorge Ponciano Ribeiro, dando logo a sua quota de serviços.

Foi uma beleza o começo, um sucesso o primeiro cursinho de Montes Claros. Lembro-me bem, da primeira aula de francês que tivemos com a professora Baby Figueiredo, com texto solto, impresso fora de livro, uma novidade! Lembro-me do Adélia Miranda elaborando, como secretária, os
primeiros relatórios, apertando os primeiros alunos retardatários para não atrasarem no pagamento das mensalida
des ou início das aulas. Era uma experiência interessantíssima com passagens de se emocionar!

Era tanta sabedoria nova, um conhecimento tão organizado, uma perspectiva de aprendizagem tão grande, que problemas apareciam a toda hora, todos querendo aproveitar de tudo, sorver de vez todo um alimento que por não existir antes, estava sendo negado a quem muito o desejava.
Acontecia então o troca-troca de salas, uma espécie de mineração de assuntos, um descobrir quem era o melhor professor, um abeberar de toda uma nova filosofia de vida. Não posso contar tudo sobre as aulas de nossos cursos, nos primeiros dias do semestre, porque os acontecimentos vinham aos borbotões, quase sufocando a curiosidade, até confundindo as cabeças. Era como se fosse um vasto ciclo de conferências de palestras, um eterno comício. Hamilton Lopes, calouro, ensaiava os primeiros passos da política estudantil, João Valle Maurício, José Nunes Mourão, Hélio Vale Moreira, Mauro Machado Borges, alunos mais vividos, mostravam uma compenetração pouco natural de estudantes. Yvonne Silveira, esta numa santa vaidade de literata, se desmanchava em sorrisos e sutilezas numa alegria quase infantil.

Tudo foi uma longa festa intelectual, uma corrida de muita sede à fonte, todos considerando um grande privilégio, uma oportunidade a mais de vencer na vida, em campos profissionais já longamente seguidos. Pela primeira vez, vimos professorinhas ensinando para velho elenco de construtores do futuro! Olhado de longe, cinquenta depois, quase uma loucura, maravilhosa loucura! Que o diga Isabel Rebelo de Paula, a primeira diretora. Que o digam os primeiros graduados dos cursos de Letras, História, Geografia, Pedagogia e Matemática. Alguns já nem mais na romagem terrena...


FACULDADE DE DIREITO,
REENCONTRO DE SAUDADES

Wanderlino Arruda
Cadeira nÀ 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Muitas saudades marcaram os meus cinco anos de Faculdade de Direito, saudades em que com todos os tipos de alegrias e sensações, me trazem de volta um delicioso tempo de juventude. Cinco anos, pequeno e longo período, com uma boa percentagem de tempo de vida. Cinco anos com as preocupações de acompanhamento de programas, estudos constantes nem que fossem em época de provas, estágios, concursos, seminários, um universo de atividades das quais ninguém conseguiu escapar, bastou ter passado no vestibular e feito matrícula. Período de amadurecimento de ideias, afirmação do que é certo e do que é errado, do que deve ou não deve, do que pode ou não pode ser feito por alguém com consciência de cidadania. Cinco anos de excelentes amizades, algumas rusgas, pintadas aqui e ali de desentendimentos, para depois tudo correr num oceano psicológico de boa navegação.

Tempo de saudades, por que não? Afinal, tem que ser muito importante, principalmente com os colegas que são as feições mais constantes, passageiros da mesma condução, gente por todos os lados, uns tímidos, uns por demais aparecidos, alguns sempre abertos em sorrisos, faladores num humor de encantar, outros desconfiados, arredios como quem daria um reino por um momento de silêncio ou de esquecimento. Com os mestres, um intercâmbio menor, porque nenhum acompanhando a turma o tempo todo, os cinco anos, alguns apenas por dois semestres, outros parecendo fugazes cometas de passagem rápida, em substituição aos titulares em viagens. Como o professor é um entre muitos, da cara dele ninguém se esquece, o semblante fica gravado a existência inteira.

Tempo bom de Faculdade de Direito, com jovens donzelas quase impúberes, moços no dealbar dos dezoito, jovens senhoras, balzaquianas, pais de família na fase dos trinta, cavalheiros que começam a vida (a vida começa aos quarenta!), cinquentões, e atéumsexagenário, ora pois!Um corte bonito no perfil social, amostra importante para crítico nenhum botar defeito, nem antes nem depois. Quem desejar experimentar um cadinho de esforços humanos e sobre-humanos, chegue para perto de uma turma de universitários de Direito, meça o valor das partes e do conjunto, observe as reações, sinta os dramas, pergunte sobre os compromissos para com o futuro, penetre no mundo ideológico, intercepte entusiasmos. Quem estiver querendo encurtar distâncias para um conhecimento mais rápido, pergunte aos professores, que eles saberão dizer muito pelo muito acompanhar em cada aula.

Alguns anos depois, volto à estimada Faculdade de Direito, de cuja fundação pude participar ativamente em 1964, e não me contenho de contentamento ao encontrar os mentores e amigos de quem eu tinha tantas saudades. Não mais nas salas de aula, não mais a separação hierárquica professor/aluno, mais ainda um respeito profundo a cada um, consideração que nunca poderá faltar, mestre eternamente mestre. Com que prazer, encontrei e reencontrei o nobre Georgino Jorge de Souza na cadeira de diretor, solene, respeitabilíssimo, oferecendo grandeza ao cargo, presença visível de sabedoria mercê de muitos estudos. Emoções ao cumprimentar, na secretaria, Raul e Cleonice; na sala dos professores, entre muitos, os mestres Adão Múcio, Sebastião Vieira, Danilo Borges, José Carlos, Clídio Moura, Noraldino, Alciliano, Castro, Álvaro, Rita, Paulo César, Geraldo Barbosa, para dizer apenas os que lecionaram na minha turma. Que grande falta as ausências dos doutores José Nunes Mourão e Simeão Ribeiro Pires!

Valeu a pena passar por lá.


A PRAÇA DR. CARLOS

Yvonne de Oliveira Silveira
Cadeira nÀ 05
Patrono: Antônio Ferreira de Oliveira

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, fundado pelos acadêmicos Wanderlino Arruda e Dário Cotrim, tem realizado os objetivos de divulgar a História e a Geografia da Região, através de sua revista semestral, com excelentes artigos dos sócios, e ainda colaborando para a preservação de nosso patrimônio histórico.

O atual presidente, acadêmico Itamaury Teles de Oliveira, vem continuando, com o mesmo entusiasmo, o trabalho do Instituto Histórico e Geográfico, e, com as Academias Montes-clarense e Feminina de Letras e a Associação Amigas da Cultura promove o desenvolvimento cultural da cidade que se projeta, ao revelar o seu potencial de escritores, poetas, jornalistas, historiadores e geógrafos.

O Instituto, que é a Casa de Simeão Ribeiro Pires, foi contemplado com a biblioteca do seu patrono, uma das maiores de nossa região, pela doação da esposa Teresinha Gomes Pires – rico patrimônio – e maior fonte de saber, que só se adquire com os bons livros. Aberta ao público, está contribuindo para abrir os horizontes do leitor, que deseja crescer intelectualmente. Ela estará mais enriquecida com as publicações dos sócios na sua Revista e livros.

O último número desta – edição número IX - tem a capa ilustrada com fotografia de parte da Praça Dr. Carlos Versiani – meu mundo na infância e adolescência – ao lado da Rua Padre Augusto.

Vendo-a, surgiram as lembranças. O nosso velho e caro Mercado, os bruaqueiros e os animais com as bruacas, uma de cada lado do lombo, para o transporte dos produtos da lavoura: cereais, legumes, cana-de-açúcar, grãos de café, frutas silvestres, frangos, ovos, carnes, toucinho, mel, rapaduras, doces, queijos, farinha, goma – um montão de coisas, como dizíamos, ao fazermos as compras com os pais, aos sábados da grande feira,

O Mercado, onde hoje se encontra o Shopping Popular, como este, ficava entre as ruas Rui Barbosa e Cel. Antônio dos Anjos, abaixo, loja e residência de Carlos Pereira – loja era o nome das casas de negócio atuais, e ainda outra casa.

Na fotografia, vê-se apenas parte do Mercado e da residência de João Fróes, na esquina da Rui Barbosa com a Bocaiúva – hoje Dr. Santos, e, na outra esquina com a praça, o sobrado de Juca Versiani.

Revejo, porém, toda a Praça Dr. Carlos Versiani com a loja de meu avô Francisco Peres de Souza, um dos primeiros comerciantes dali, tendo se iniciado com a vendinha de rapadura, que ficou de pé bem tempo, depois de inaugurada a Casa Peres. Mais importante, logo depois, nossa residência e a farmácia do meu pai, o farmacêutico Antônio Ferreira de Oliveira, também jornalista, escritor e poeta.

Do alto da jabuticabeira que dava para a Praça, vejo-a com todas as residências e casas comerciais. A casa de seu Herculano Trindade, já no início da Rua Quinze e a Camilo Prates, D. Carlota dos Anjos com a “baratinha”, segundo automóvel da cidade, para os passeios à tarde, sempre acompanhada de uma de nós, filhas das amigas, pois não podia ir só com o Zé Motorista. O sobrado do Cel. Antônio dos Anjos, pai de Cyro dos Anjos, tendo, também, uma loja, na outra esquina a Farmácia Fróes e a seguir a loja de seu Cocó – José Costa, a residência de Cel. Joaquim Sarmento, pai de Dulce Sarmento, e ao centro o jardim sem traçado artístico, feito pelo farmacêutico Mário Veloso, quando era Agente Executivo, cercado de arame farpado, para evitar a invasão de animais que chegavam.

Praça do Mercado, Praça Dr. Carlos Versiani, praça da minha infância, de lembranças, que não morrem. Brincadeiras no jardim, compras na feira, à noite, os adultos, nas cadeiras, à porta da casa e nós a brincarmos. Minha
família, meu mundo revivido com a capa da Revista do Instituto, o mundo que depois foi para a Rua Padre Augusto.

Ambos inesquecíveis, cantando e chorando na alma.